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domingo, agosto 01, 2010



O SISTEMA MEGAMÁQUINA, A VIOLÊNCIA E O SAGRADO
     * Elizabeth Queiroz
Na Europa e no mundo antigo, com o abandono da impostação cosmocêntrica dos primeiros filósofos, que dedicavam-se a um conjunto de indagações: Porque as coisas existem? O que é o mundo? Qual a origem da natureza e quais as causas de sua transformação? Depois da visão teocêntrica de pensadores cristãos, durante a patrística e a escolástica, de Santo Agostinho e de São Tomaz de Aquino, onde os problemas humanos ganhavam novas soluções à revelação da luz cristã.  Essas mesmas perguntas que colocaram o homem, no inicio da Era Moderna, no centro de sua própria subjetividade, sob a investigação racionalista de Descartes, (cogito ergus Sun), o homem parte então para uma longa jornada rumo a si mesmo e coloca-se no centro do universo, em sua viagem onipotente e narcísica de poder e obstinação. Nessa viagem egocêntrica, o homem esquece de si próprio, e transforma o “ego ideal”, em “ideal do ego”, perde o self e confunde o “ser” com o “ter”. Posteriormente condenado às “Criticas da Razão Pura” do idealismo Kantiano, o homem continua até os dias de hoje, colocando sua própria história em questionamento.
      O período que antecede o século XIX, foi marcado por importantes acontecimentos sociais, e políticos para a humanidade. Ao final da Idade Média, culminando com o Iluminismo, no século XVII, com o desenvolvimento da consciência individual e subjetiva, com a apresentação do homem como ser social, por Comte e Marx, do homem como indivíduo por Hume, e do homem instintivo e desejoso por Freud. Após as lutas de classes burguesas e sociais e revoluções sócio/políticas/econômicas,  chegamos até o capitalismo com todos os seus produtos de consumo e ofertas “imperdíveis” do sistema Megamaquina.
      A “Filosofia de Consumo” tem suas raízes no primitivo ato de trocar. Na economia primitiva, do período medieval, os homens eram levados a trocar coisas entre si, dentro de suas próprias aldeias e cidades. Trocavam o que produziam com suas próprias mãos e assim a economia era gerada e sustentada. Com a chegada da Revolução Industrial e do Capitalismo no século XVIII, o elemento principal não era a harmonia sistêmica e sim a ampliação sistêmica, pois as bases não eram feitas por relações humanas, e sim pelo volume de negócios e produção. Com as mudanças impostas pelo século XIX, cada vez mais a subjetividade humana foi colocada em segundo plano, e em seu lugar foi inserida uma enorme produção de mercadorias, muitas vezes inúteis às exigências práticas da vida.
      A partir da Revolução Industrial, alguns homens em busca de fortuna e gloria, exploram massas despersonalizadas, que servem de mão de obra barata, porém desqualificada, o que resulta em grande variedade de produtos descartáveis e de pouca qualidade. Sob a regência da lei da selva do capitalismo selvagem, quem não é caçador é fatalmente visto como caça, o fraco só existe para fazer o forte cada vez mais forte. Com o enfraquecimento dos anseios existenciais e filosóficos, um vazio de idéias humanitárias invadiu o planeta e o vácuo existencial, foi preenchido por uma profusão de mercadorias supérfulas de última linha.
      Logo após a Segunda Guerra Mundial, a “Filosofia da Existência”, ganhou aceitação ocupando-se dos problemas do homem, hoje chamados “existenciais”, tais como sentido de vida, de morte, de dor, de angustia, de necessidade econômica. Essa tendência filosófica retoma forma em nossa época e segue passos de filósofos existencialistas como Sartre, Merleau-Ponty, Jasper, Marcel, Heidegger, todos seguidores dos passos de Soren Kierkegaard, (1813-1855), filosofo dinamarquês, que deu à palavra existência, o seu sentido existencialista e previu, séculos atrás, a desilusão do mundo moderno. Unindo à sua “Teoria da Angustia”, à “Teoria da Solidão do Homem” em face de Deus e do caráter trágico do destino humano.
O atual sistema se tornou então, uma gigante e potente maquina, e no papel simbólico de pequeno e insignificante “parafuso”, o homem perdeu seu brilho existencial e transformou-se em uma peça descartável e facilmente substituível. Ajustando-se a essa maquina, o indivíduo cessa de ser ele mesmo e molda-se ao padrão cultural oferecido pelo sistema “Megamáquina”.
      Momentaneamente os conflitos humanos existenciais cessam, e por pura ilusão, são sustados temporariamente pela modelagem cultural oferecida, provocando uma histeria coletiva. Onde a “compulsão de repetição” age como sintoma de uma humanidade neurótica obsessiva e compulsiva. E a partir da virada do século XXI, também perversa.     
Essa estratégia neurótica, age no temor existencial da solidão e da impotência, promovendo artificialmente forte sensação de segurança. Em troca de aceitação social, o ajustado torna-se um consumidor ingênuo, ávido por novidades. Que barganha sua pobreza e insegurança interna, pela necessidade de consumo externo, preenche sua solidão com a fantasia da materialidade.
Em conseqüência à essa automatização, o indivíduo vai bem como máquina, mas pessimamente como ser humano, surge então no homem moderno, fobias e síndromes de todos os tipos. Inadequação e patologias neuróticas que se formam à partir da deteriorização do “eu” individual, em detrimento de um “eu”, que poderemos chamar talvez de “narcisismo coletivo”. Onde a “identificação projetiva”, fundamenta-se em lugar de um verdadeiro self.  Freud tem uma frase que identifica bem esse fenômeno: - - - Por falta de identidade o homem de condena à identificação.(Freud\1940)
      Porem uma pergunta fica no ar... Quem são os donos dessa máquina? Quem gerencia o Sistema Megamáquina?
Sua autoridade é exercida por uma organização anônima (S.A. Sociedade Anônima), que é gerada pelo medo e pela ansiedade dos homens. É uma autoridade anônima, que não aceita questionamentos filosóficos e nem a individualidade e a liberdade do ser. É a irracionalidade muito bem estruturada, pois como se rebelar contra o invisível?
Em função desse mal estar social e como dizia Freud (1928), da civilização, o ser humano cria resistências muitas vezes exageradas, mecanismos de defesa normais do ego (deslocamento e substituição), que são então usados de forma abusiva pelo neurótico.
      O sistema Megamáquina, criou estrategicamente formas de alívio coletivo para narcotizar aqueles que sofrem a exploração e com a premissa de descolar uma produção máxima, acelerada e contínua, é capaz de causar uma hipnose de massa, usando, por exemplo, os meios de comunicação. O rádio, a internet, a televisão, emitem apelos diários, onde você tem que ser a “mais magra, a mais rica, a mais bem vestida, a mais peituda, a mais bonita”.
A mensagem implícita por trás dessas propagandas é que, se o indivíduo consumir suas infinitas mercadorias, terá encontrado o antídoto perfeito para todo o seu tédio existencial. Na verdade uma pessoa que está comprando uma roupa de marca está comprando uma identidade, está comprando um nome, pois não possui nome, não possui identidade. Consumir está muitas vezes além da racionalidade, se torna um vício. Mas é o viciado quem faz o vício e não o vício quem faz o viciado,  nos diversos vícios, manias e compulsões, escondem-se projeções inconscientes. O neurótico tenta, pelas vias de consumo, existir e ser aceito como pessoa, pois suas compras não são utilitárias, mas sim uma manifestação da pobreza de seu universo interno, recorrendo então à opulência do mundo externo. Obrigando-se assim a se ajustar à moda e manias passageiras, que são usadas pelo sistema como armas de controle e manipulação ideológicas.
      Na tentativa de fugir de suas dúvidas existenciais você acaba comprando falsas “certezas”, que o leva a um processo progressivo de desumanização, e por conseqüência também acaba sendo “coisificado” pelo Sistema Megamáquina... E quando você se dá conta, você se tornou uma “coisa”, um objeto sem identidade.  
O intuito então é esclarecer os sintomas que atinge a massa, o inconsciente coletivo, de forma silenciosa. Sintomas que ganham nomes científicos, como Síndrome do Pânico, Depressão, TOC, Transtornos Bipolares, Alimentares, Sexuais, etc,  penetram então em nossas casas e em nossas vidas de maneira invasiva, formando uma geração doente, insana, drogada, pedófila, viciada em coisas supérfulas e descartáveis.  Não podemos detectar a doença, se não sabermos que estamos doentes. O que nos avisa de uma doença física é a dor, mas nesse caso não há uma dor física identificável, mas apenas uma sensação de angustia, de tédio existencial, de ansiedade generalizada, que não sabemos definir. Nossa sociedade tem gerado um sintoma social doentio, dentro de cada lar, de cada família, dentro das escolas e das faculdades. Os pais não sabem mais  o que fazer com seus filhos, usuários de drogas e álcool, portadores de síndromes silenciosas, filhos da violência e do sagrado em nome da cultura e da religião, afinal somos um país “Católico Apostólico Romano”, mas nem a psicologia, nem, a psicanálise, nem o sistema social atual, dá conta da demanda, e  é chegada a hora de apresentarmos um remédio, um antídoto, pois agora conseguimos finalmente identificar a doença...só não sabemos como nos livrar dela.





A Violência e o Sagrado

      Outro ponto importante que oprime o homem moderno é a violência, não podemos deixar de pensar na violência, porque convivemos quase que diariamente com ela, verificamos uma ligação entre o sistema megamáquina, a violência e a religião. Muitos autores já esbarraram nesse tema, como por exemplo, Freud, em suas obras fundamentais; “ O Futuro de uma Ilusão”, “O Mal Estar na Cultura”, “O Mal Estar da Civilização”, “Totem e Tabú”,etc.
Como poderemos perceber através da  psicanálise, nos textos de Freud, e também nos escritos de quase  todas as religiões, que existe uma relação triangular edípica de dois “objetos” e um “sujeito”. Pai, mãe, filho; Pai, Filho, e Espírito Santo; ou assim como na trimurti hindú,“Brahma”, pai, “Shiva”, mãe, “Vishnu”, filho. Porém uma coisa é certa, o “rito”, o “sacrifício” e o “mito”, estão sempre na base de todas as culturas religiosas. 
      René Guirad, antropólogo e teólogo francês, fala da teoria da imitação, chamada de “Teoria Mimética”, que parte da constatação do fenômeno da capacidade de imitação dos seres humanos. Aristóteles já havia citado uma celebre frase. -“O homem se diferencia dos animais por ter a capacidade plena de imitar”.
Porém essa imitação, é também imitar o “desejo do outro”, e como diz Lacan “desejar o desejo do outro”, para que se possa existir enquanto sujeito de sua própria subjetividade..  Se nosso vizinho possui uma casa grande, um carro bonito, ou qualquer outra coisa, geralmente nós queremos ter também. Na moda, por exemplo, sempre tendemos a seguir certo comportamento ou vestimenta.
“Mimetismo de Apropriação”, por exemplo, é querer o que o outro tem. Duas pessoas brigando se tornam duplos (Erich Fromm-1947), porque tendem a imitar-se mutuamente, em força, defesas, armas, estratégias, vestimentas, etc.
Então quer dizer que a violência é contagiosa?
Nessa violência desaparece o “objeto”, porque quando as pessoas brigam só sobra a violência.
      Nos grupos primitivos, na briga entre bandos, geralmente só sobra um vencedor, que geralmente é o criminoso ou aquele que começou a briga, e por recompensa, e por ter ganho a contenda, os outros se agrupam em torno dele e ele passa a ser a causa da paz, e o algoz vira líder e herói, porque matou o chefe (Pai da horda), então ele toma o lugar desse pai e o seu lugar na horda, é fundado, assassinato fundante do pai.(Freud- 1929 -Totem  e Tabu). Também o estruturalista Lévis-Strauss (1908-2009), filósofo, antropólogo, etnólogo, afirmou em seus estudos, que o fenômeno do incesto, serviria como base de socialização entre povos primitivos, pois disponibilizava as mulheres para relações fora de suas tribos. Dentre suas obras destacam-se, “Estruturas Elementares do Parentesco” sua tese publicada em 1949, na Sorbone, e em 1962, “ O Totenismo Hoje”, onde ele cita o pensamento e a teoria Freudiana, e ainda “O pensamento Selvagem”, em memória à Merleau-Ponty (1908-1961)
      Não precisamos porém, olhar apenas para o passado distante, uma situação muito parecida ocorreu alguns anos atrás, num dia 11 de setembro. O presidente dos Estados Unidos, George Bush (Totem do capitalismo, representado pelas torres Gêmeas) vira líder dos americanos, enquanto Bin Laden, (Totem da Guerra Santa -Jihad Islâmica -  1º Jihad deu-se em 630 A.C. Maomé toma a cidade de Meca, sua meta era derrubar  o império Romano Ocidental), transforma-se em Totem dos  mulçumanos.
      É o duplo monstruoso (Fromm-1947), assumido e repetido pelo grupo, assim, atrás do rito mimético, cria-se uma instituição e essa organização se torna religião ou o sagrado. Onde a vítima imolada é o sacramento do sagrado, e o sagrado é a violência no coletivo.
É o que acontece na “Guerra Santa”, cada vitima de carro bomba ou ato terrorista, vira vítima imolada em prol de uma causa religiosa. O sagrado precisa ser aplacado pelo sacrifício do sangue. Sagrado e sacrifício vêm do mesmo radical, sacre, sacrifício, sagrado, sangue. Em todas as culturas, inclusive na atual, o bando adquire a consciência de que é preciso, de vez em quando, um sacrifício. 
      Nas civilizações antigas, essa vitima humana, posteriormente, foi substituída por animal. O rito sacrifical é o primeiro ato cultural e social, é a nossa projeção sobre o outro (Girard. R.-1953). Nesse rito sacrifical existem 3 processos que formam o eixo de sustentação.
1º - Sacrifícios -  Animais, humanos ou sociais.
2º - Tabu - Proibições, incesto. É o código de leis não escrito, mais antigo que existe, remonta a um período anterior a qualquer espécie de religião.
3º - Mito - Todos os mitos se referem a um assassinato fundante, que produz um Totem. Por exemplo o mito grego de “Prometeu”* que foi sacrificado para criar a humanidade.
A violência está implantada na história da humanidade. Deus é a desculpa para a violência e por isso a violência está muito ligada à religião.

Conversão e Cura:


      A conversão e a cura começam, em primeiro lugar, quando o indivíduo percebe a violência em si mesmo. A violência está na nossa estrutura social, nossas instituições nascem na violência e sobrevivem na manutenção da violência disfarçada e silenciosa (trafico de drogas, de órgãos humanos, de mulheres, de crianças, de influência, de corrupção, de política etc.). Os impostos, as instituições bancárias, as formas de imposições dos sistemas capitalistas, a pobreza, a má distribuição de renda, não violentam a humanidade do homem?
Em segundo lugar, o entendimento da violência, tem origem psíquica e é o que veremos mais adiante pela visão psicanalítica de Freud, de Erich Fromm e de Lacan.
      A energia agressiva é a mesma energia da sexualidade, (pulsão agressiva = pulsão sexual) a origem dessas pulsões é a mesma, pulsão de auto-preservação.
O mal que existe em cada um de nós é projetado então para fora. Eu desejo o que o outro deseja e quando eu não tenho o que os outros têm, eu me torno violento. O ser humano está à mercê dos próprios instintos, na “Cidade de Deus”. Falta um modelo ético. A culpa que sinto em mim, faz com que eu desculpe o outro.
Citando Winnicott, voltamos à origem do sentimento de culpa, que está presente no complexo de Édipo e na castração, que tem origem na primeira relação triangular (pai, mãe e filho), e na ambivalência entre o amor e o ódio, para com o objeto desejado. Freud, em seu texto “O Mal Estar da Civilização”, coloca que, a verdadeira culpa reside na intenção inconsciente. O verdadeiro crime não é a causa do sentimento de culpa, é antes o resultado da culpa. A culpa legal se refere a um crime, mas a culpa moral, diz respeito à realidade interior de cada indivíduo. Porem na nossa sociedade o que mais percebemos é uma ausência de sentimento de culpa, coisas do tipo; se ele rouba, eu vou roubar também. O jeitinho brasileiro de resolver todos os problemas, passar na frente de outras pessoas porque conheço alguém no governo, deputados e senadores roubando e fazendo falcatruas porque na verdade todos fazem ?????????A culpa que sinto em mim faz com que eu desculpe o outro. ( Fromm.)
Em 1988 trabalhei no Jornalismo da Radio Jovem Pan II, (Jovem Pan Pesquisa) e fui entrevistar uma deputada que havia acabado de se eleger por São Paulo. Que me fez uma declaração arrepiante: – Fazem apenas seis meses que assumi o cargo, mas o que eu vi aqui dentro da Câmara Municipal é muito grave. Mas o que é pior, estou num beco sem saída, não posso denunciar, e as propinas vêm até mim como água. Então, já que não posso muda-los, junto-me a eles... outros políticos ainda levantam o famoso chavão; - Rouba mais faz.
      Com esse exemplo típico, podemos afirmar que o comportamento anti-social de roubar, burlar, mentir, destruir é uma tentativa inconsciente de fazer com que o sentimento de culpa faça sentido, então muitos indivíduos, assim como a nossa amiga deputada,  obtêm alívio de sua culpa.
      Em sua tese “Da Psicose Paranóica à Suas Relações com a Personalidade”, Lacan (1947) relata o fato de alguns pacientes se curarem após cometerem um crime, e a partir dessa observação, propôs um novo diagnóstico denominado “Paranóia de Auto-Punição”, cuja característica principal, é o efeito de cura que um ato criminoso produz em um sujeito que o comete, em decorrência de um delírio. O fundamento da tese é; O outro é o que o criminoso quer ser, então o que provocou o crime foi à realização de fantasias arcaicas estruturantes do psiquismo do criminoso, fantasias de estripação, corpo despedaçado, (Preclusão- Lacan) ou como diz Freud, a própria psicose. Lacan afirma que todos temos fantasias paranóicas, e pulsões destrutivas, mas só os psicóticos às colocam em prática.

A violência no indivíduo: 
  
      Erich Fromm (1947), volta a nos falar da destruição, das formas malignas da destrutividade, onde  aborda as formas patológicas da violência.  Ele afirma que a distinção entre os vários tipos de violência se baseia em motivações inconscientes. Geralmente a violência tem suas raízes no medo, no medo imaginário, neurótico ou real, consciente ou inconsciente. As pessoas sentem-se ameaçadas e para defender-se se dispõem a matar e destruir. No caso das ilusões paranóides de perseguição, encontramos o mesmo mecanismo numa base individual. A violência reativa é produzida por frustração, quando um desejo ou necessidade é frustrado (ele tem, eu não tenho). Relacionada com a agressão resultante da frustração, há a hostilidade gerada por inveja e ciúmes. Outro tipo de violência, relacionada com violência reativa, está numa direção mais patológica, é a violência vingativa. Na violência reativa, o fim é evitar a ameaça e por isso essa violência serve à função biológica da sobrevivência. Na vingativa pelo contrário, o mal já foi feito e por isso a violência não tem função defensiva. Tem função irracional, de desfazer magicamente o que foi feito realisticamente (vingança).
Dois fatores exercem papel decisivo nesse caso, no primeiro, o ambiente de escassez psíquica impregna o indivíduo e torna a vingança um meio necessário para restituir a perda, e o segundo é o narcisismo.

      Erich Fromm em “O Coração do Homem” (1947), fala também da violência compensatória, que é a forma mais patológica, porém  menos drástica que a necrofilía. A violência compensatória é empregada como substituta de atividade produtiva por uma pessoa impotente.
O homem impotente, por possuir uma faca ou um revolver, pode transcender a vida destruindo-a em outros e em si mesmo, assim vinga-se da vida por ter se negado a ele. O castrado também castra.  A violência compensatória, é exatamente a violência oriunda da impotência e que serve de compensação para esta. Relacionado de perto com a violência compensatória, existe o impulso para o controle absoluto e completo sobre um ser vivo, esse impulso é a essência do sadismo. Todas as diversas formas de sadismo, remontam à um impulso básico, o de exercer domínio completo sobre outra pessoa, torna-la um objeto indefeso à nossa vontade, de tornar-se o Deus dela, de humilha-la, e escraviza-la. O prazer do domínio completo sobre outra pessoa, é a essência do impulso sádico. Existe ainda um ultimo tipo de violência, a "sede de sangue", ainda envolvida em seu vínculo com a natureza (instinto). A sua paixão de matar é uma forma de transcender a vida. No homem que busca uma solução para a vida, regressando a um estado de existência, pré individual, virando animal, o sangue se torna a essência da vida. Matar, passa a ser a grande embriaguês, a grande auto-afirmação. Reciprocamente ser morto é a única alternativa para matar. (ex. homem bomba, ou os assassinatos nas escolas americanas, onde o atirador tira a própria vida). Quando a vida estiver saciada com sangue, ela estará pronta para ser morta, nesse sentido, matar não é amor à morte, é afirmação e transcendência da vida no plano da mais profunda regressão, está associada à necrofilia, afirma Erich Fromm. Na verdade a necrofilía ama tudo que não cresce, tudo que é mecânico, transforma o orgânico em inorgânico, é uma apologia à morte e a destruição. Então a desumanização, o crescimento tecnológico da vida virtual, a falta de investimento na qualidade humana, coopera de forma silenciosa com a violência estrutural da nossa civilização e conseqüentemente com a extinção da subjetividade.
Religião
 Voltando a falar de religião, Freud escreve em seu livro “O Mal Estar da Civilização” sobre um sentimento que ele designa como uma sensação de eternidade, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras, oceânico, o “Sentimento Oceânico”:
          - Trata-se de um sensação de eternidade, um sentimento de algo ilimitado, oceânico por assim dizer. Esse sentimento configura um fato puramente subjetivo e não um artigo de fé, não traz consigo qualquer garantia de imortalidade pessoal, mas constitui a fonte da  energia religiosa, de que se apoderam diversas igrejas e sistemas religiosos, uma  pessoa  pode chamar a si mesma de religiosa com fundamento apenas nesse sentimento oceânico...nada resta senão cair no conteúdo ideacional, que está associado ao sentimento. Isso equivale a dizer que se trata do sentimento de um vínculo indissolúvel, de ser uno com o mundo externo, com o todo. (Freud-1927)
 Como uma tentativa de burlar Thanatos, (instinto de morte), como uma compensação de sua finitude, o homem projeta, através das religiões um sentimento de onipotência, megalomania e eternidade
Em seu artigo “Reflexões Psicanalíticas Sobre a Morte”, o psicanalista e filósofo contemporâneo Marcos Oliveira, comenta que a morte deve ser considerada o “ponto zero” do nosso conhecimento sobre a vida e que nunca poderá ser entendida intelectualmente, e como ela é uma experiência vivida na carne, o pensamento não é capaz de suportar o peso de sua absurdidade. O morto deixa de ocupar um lugar físico, para ocupar um lugar simbólico, na mente dos que permanecem vivos, mas mesmo assim precisamos criar um lugar concreto para ele, mesmo que seja num campo imaginário. Por isso criamos o paraíso ou o inferno, caso ele não tenha sido um bom sujeito. Ele foi para um lugar simbólico daquele que “pensa” o morto. (Oliveira M.-2000). Morremos e renascemos como totalidade ilusória, nossa história é retomada como versão possível do que poderíamos ter sido em vida. -“Aí aí aí, aquele sujeito era tão bom!”. Ninguém é capaz de reduzir a “nada” os que morrem. A nossa natureza cultural, a nossa ambição social de imortalizar o nome para a posteridade, sustentam a nossa ilusão de permanência, de eternidade e onipotência humana e a isso chamamos “narcisismo”. Elaborações narcísicas fomentadas pela cultura, que sempre sustentam a ilusão cultural de permanência. Então o que é imortal é a cultura e a morte do outro, na realidade, situo à partir do meu narcisismo.
      Os homens criaram os "criadores", os homens é que deram nomes aos Deuses e aos demônios. Tudo não passa de uma compensação do ego, para suportar o complexo de onipotência do ser humano.
Essas são as formas “Narcísicas” citadas pela psicanálise. É uma forma de rejeitarmos o mundo real, através do mundo imaginário. Nossas limitações criam ansiedades e medo, e criamos então as fantasias compensatórias, para nos livrarmos do medo da morte. Para isso criamos outras vidas...o paraíso,  para compensar o medo da morte, e que são na verdade mecanismos de  defesa do ego coletivo, chamadas também  de “religião”...! 
      Os seres humanos estão desamparados cosmicamente desde seu surgimento, desde a fase anímica, onde a mitologia grega, criava os seus criadores e os colocava no Olímpo, portanto, para compensarem essa fraqueza inerente, projetam fora de si a idéia de um ser superior dotado de todas as qualidades possíveis, nesse símbolo, fazem existir de forma superlativa, tudo que em grau mínimo, existe em si mesmos. (Deus)
A vontade inconsciente de se completarem por meio deste ideal fantástico, fez com que os humanos com o tempo, irraizassem a idéia de um ser todo-poderoso, assim, a criação da idéia de Deus, conferiu com o tempo uma explicação para a origem de tudo, ao mesmo tempo em que ofereceu um significado para o mundo, para o desconhecido e para, o inalcançável .
A estratificação de tal conceito levou os criadores desse “ser todo poderoso”, a aceitarem a idéia conseqüente, de que se, o mesmo os criou, têm também, o direito legitimo, de governar a todos. Diante de tal grandeza imaginária o homem passou a temer a sua própria criação, e pela lacuna criada pelos sentimentos de inferioridade, ativados por tal ideologia, não se reconheceu nesse “Outro”, criado pela sua própria mente.
O termo “Outro” em latim quer dizer “alienus” (alienígena), assim Feuerbach, teólogo alemão, que investigou profundamente como se formam as religiões, e a idéia de Deus, a partir de uma perspectiva racional e histórica, concluiu que os homens acabaram se alienando, ou melhor, sofreram uma alienação ideológica, à partir de crenças projetivas criadas pelas suas próprias carências.
Marx, também se utilizou do conceito de alienação, separou o trabalhador de seus meios de produção e o conceituou como fenômeno ideativo pelo quais os homens criam e produzem alguma coisa e com o tempo, sem se perceberem, acabam conferindo independência à ”coisa criada”, dando a ela status de “ser autônomo” e “auto suficiente” à sua própria criatura, é o liberalismo capitalista que transformou a filosofia, em “filosofia do estado”, e assim alienado, o homem só pode recuperar sua condição humana, através da crítica radical ao sistema econômico, à política e à filosofia que o excluíram  da participação efetiva na vida social. (Castilho e Costa -1987). E foi nesse contexto que Marx celebrizou uma de suas mais conhecidas conclusões: “A religião é o ópio do povo”.
Na religião as pessoas cedem lugar a um “grande outro” (A), algo externo a elas, esse estranho e distante senhor (Deus), é visto como alguém com poder total e direito legítimo de nos controlar, na verdade o “alienus” em questão, não é um verdadeiro ser divino, e sim a divinização do desejo desmedido da classe dominante (visto que a igreja católica, por exemplo, ficou durante muito séculos, no topo do poder ocidental), que visa perpetuar a seu poder e mando sobre a classe dominada (depois que vira uma ideologia, é divinizado). A estratificação social dessa vontade de domínio fica escondida nas camadas profundas do inconsciente social, e tal intento vaza religiosamente em deslocamento, na vontade arbitrária dos diversos deuses criados pelos homens e secularmente essa razão oculta inconsciente, vaza também no direito do estado em regulamentar todos os atos dos chamados cidadãos. Esse patrulhamento ideológico é em grande parte, realizado sem que os próprios ajustadores sociais se apercebam que são agentes de uma vontade injusta e desigual.
As ideologias dominantes comumente, deixam com o tempo, o universo subjetivo do sujeito e ganham concretude social nas “instituições” do sistema de coisas, por serem coletivas e maiores em tamanho e duração, essas superestruturas parecem perenes e autônomas do processo histórico, isso acaba por criar as leis e regras sociais, que advêm de um poder externo superior a todos os viventes.
Freud em sua segunda tópica, nominou de “superego” a representação psíquica que fazemos das chamadas superestruturas sociais, e como a interiorização dos valores sociais é feita em nível inconsciente, somos condicionados a crer que nossas opiniões e pontos de vista, são idéias universais e inatas a todos os seres humanos, porem, ao contrário disso, Freud e Marx, demonstraram que a nossa cosmovisão é criada a partir da classe social e cultural à que pertencemos, quase sempre as ideologias que formaram o paradigma de uma determinada sociedade, serão representações veladas da vontade da classe dominante, é o chamado etnocentrismo.
É importante que se diga que, como a assimilação cultural e a estruturação do psiquismo são realizadas em nível inconsciente, devemos tomar cuidado para não “demonizar” generalizadamente os ajustes sociais, pois em certo sentido todos nós somos, vilões e vítimas de nossas ideologias. Afinal, em plano mais profundo, a alienação ideológica não é produzida deliberadamente por uma classe social específica, ela é na verdade o resultado da existência social de indivíduos que tentam por ênfase nas inúmeras crenças sociais e religiosas, para apaziguarem suas inseguranças existenciais.

 

Religião X Neurose 

 

 

As neuroses aparecem como se fossem distorções das religiões e dos tabus. Se essa suposição for correta, uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise, está destinada a mostrar numerosos pontos de concordância e lançará nova luz sobre fatos familiares às duas ciências. (Freud- 1929)
A natureza associal da neurose tem sua origem genética em seu propósito de fugir de uma realidade insatisfatória, para um mundo de fantasias. O mundo real é assim evitado pelos neuróticos, e se acha sob a influência das sociedades e das instituições criadas por ela, que voltam as costas para a realidade e ao mesmo tempo afastam-se dos problemas humanos. Em sua famosa obra “O Homem dos Ratos”, (Fragmentos da análise de um Caso de Neurose Obsessiva (1909 e 1955), Freud já havia feito uma descrição de uma sintomatologia muito similar aos aspectos religiosos. Para tanto, realizou uma descrição rica e precisa de rituais e obsessões que seu paciente apresentava, buscando interpretá-los à luz de sua teoria. Como diria Lacan, se apoiava, “numa equivalência característica do obsessivo, uma na agressividade fantasística que a perpetua, a outra no culto mortificante que a transforma em ídolo”.
O texto constitui a primeira exposição sistemática da relação dos sintomas obsessivos com o complexo paterno e resume a maneira como Freud concebia a neurose obsessiva nos limites de sua primeira tópica (inconsciente, pré-consciente e consciente). O Pai nesse caso era substituído por deslocamento, para Deus, com aspectos ritualísticos e religiosos. Com posse de uma ambivalência edípica, amor e ódio pelo mesmo objeto. Deus e demônio, ambivalência do bem e do mal.  Muitos teóricos pós freudianos, estudiosos contemporâneos, particularmente Salkovskis (1985) destacou o excesso de responsabilidade espiritual chegando até a religiosidade, a manutenção dos fenômenos obsessivos, os atos ritualísticos e sacrificais nos sintomas da NOC. Neurose Obsessiva Compulsiva.
Com essa explanação chegamos a um entendimento de sincronia da religião com a violência, dentro de um sistema robotizado que contempla, em sua contemporaniedade, os sintomas de uma doença coletiva, silenciosa e progressiva.

  [  * Elizabeth Queiroz , Registro SBPH. Número: 2009/2002- SP.  
     Fones: 011- 3205 2936 – 9772 6039.
      

 ·         *Prometeu – Acorrentado a terra árida, ao rochedo, é vitima do tormento. Prometeu é diariamente atormentado por uma águia que lhe devora o fígado. O fígado dilacerado é símbolo da culpabilidade recalcada e a águia atormentadora representa o espírito negativo, a vaidade culpada, o meio de recalcamento. A águia enquanto símbolo da culpabilidade recalcada, é um descendente de Équidna (vaidade exaltada) e de Tifeu (banalização), que caracteriza a situação do ser intelectualizado e enfraquecido. (Paul Diel- 1966)

 



[Elizabeth Queiroz trabalha a dez anos na área psico-terapêutica.


Começou com Parapsicologia, Reprogramação Neurolingüística PNL,  Hipnose Terapêutica e Regressão de Idade.





Hoje é Psicanalista e  atende em consultório próprio, no Bairro de  Santa Cecília, em São Paulo. Psicoterapias Integradas.


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Em 2000 acabou o curso de formação em psicanálise, Registro SBPH nº2009/SP.  (Formação 4 anos) na SBPH Sociedade Brasileira de Psicanálise Holística, onde fez também os seguintes cursos posteriormente:


 2001: “Orientadora Analítica”. Professor Marcos Oliveira.
2002: Curso de “Retórica e Liderança e Antropologia Social”. Profs. (USP) Paulo Rodrigues Lustosa e Amauri Oliveira Silva.
2002 e 2003: Grupos de Estudos Orientados. (Psicanálise). Professor Marcos Oliveira.
2º semestre 2004: “Liberdade Sem Medo” – Filosofia Psicanalítica. Professor Marcos Oliveira.
2º semestre 2005: Curso de “Ontologia Psicanalítica” – Introdução à Filosofia. Professor Marcos Oliveira.

Elizabeth Queiroz trabalha em tres projetos de livros de psicanálise; 
       -      Homossexualidade Sob o Olhar Psicanalítico. – Encadeamento de sintomas e a          
                interferência direta na clínica.
-  “Me Joga na Parede e Me Chama de Lagartixa” Compilação Analítica  (O Modelo do    
     Masoquismo Feminino) . Livro onde a autora reúne textos e estudos relacionados à sua
     jornada na psicanálise, e na filosofia.
“A Violência, o Sagrado e o Sistema Megamáquina”, Embasada em sua vivencia clinica a autora, compila questões técnicas psicanalíticas, com a religião, a violência e a vivência no mundo contemporâneo. ]
Referencias Bibliográficas:
- Fromm Erich. O Coração do Homem: Análise do Homem, Zahar, RJ, (1947)
- Freud S. ;O Mal Estar da Civilização(1929):O Futuro de Uma Ilusão (1927):Totem e Tabu:
- Freud S.-O Homem dos Ratos: Obras completas. Imago. RJ. 1997.
- Diel Paul. O Simbolismo na Mitologia Grega, Attar- SP, 1991.
-  Guirad  R.Teoria Mimética; Ed.Paulus. SP. 1962.
- Lacan J.- Da Psicose Paranóica a Suas Relações com a Personalidade: Jorge Zahar Editor.RJ.
-Castilho Costa M.C. – Sociologia Introdução à Ciência da Sociedade. Ed. Moderna – SP. 1991.
- Oliveira Marcos - Reflexões Psicanalíticas Sobre a Morte. Apostilas Curso de Formação em  Psicanálise. SBPH. SP. 2002.
- Goulart. I.B. Psicologia da Educação. Ed Vozes. RJ, 2005.

2 comentários:

  1. Parabéns. Seu trabalho é ótimo. Um sucesso!!! Após ler, precisei rever alguns conceitos. Refletir, meditar para depois entender. Gostei do resultado. Penso que vc chegou, apesar dos intemperios do assunto, no amago, que nos traz a realidade. Vc realmente surpreende a cada dia. Bjss..... C. Jones

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  2. Otimo artigo! Parabens! Não é facil escrever sobre tantos assuntos num artigo só!

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Obrigado por sua visita.
Boas Leituras!