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quinta-feira, maio 05, 2011

Perigosas ligações
 [© david williams/illustration works/corbis/latinstock]
 
Por Ophelia Austin-Small*

"Choros, gritos, gestos descontrolados e outras manifestações dramáticas diante de uma frustração podem ser resultado de imperfeições cerebrais; pesquisadores buscam compreender comportamentos exagerados que destroem relacionamentos e minam a possibilidade de uma vida equilibrada".


Minha prima S. me telefonou às 21h, chorando de forma descontrolada. Tudo começou com os cabelos, ela tinha certeza de estar ficando careca, apesar de não ter nenhum indício concreto dessa constatação. A remota possibilidade de sua suspeita se confirmar fazia com que ficasse desesperada. Também estava preocupada com sua vida profissional. Embora seu trabalho como auxiliar de ensino a “deixasse realizada e repleta de amor e alegria, infinitamente grata por essa oportunidade”, como costumava dizer, tinha certeza de que seu chefe tinha lhe lançado um olhar desagradável na hora do almoço, fazendo com que se sentisse muito ansiosa. Mais tarde, quando ligou para o namorado, pareceu-lhe que o rapaz a atendeu de forma seca. Com medo de que ele terminasse o relacionamento, fechou-se no banheiro do escritório e chorou durante quase uma hora, deixando de terminar seu trabalho e impedindo que os outros usassem o local. A atitude de seus colegas dividia-se entre preocupação e irritação.


Quem conhece S. há mais tempo, no entanto, não costuma se alarmar com essas crises, pois sabe que ela costuma “fazer drama”, com frequência reage aos acontecimentos cotidianos com emoção excessiva, inadequada, de forma teatral e inevitavelmente chamando a atenção – e incomodando – aqueles que estão por perto. Infelizmente ela não é uma exceção. Pessoas assim são conhecidas em seu círculo social por estragar um almoço informal, contando com detalhes uma longa história sobre a briga homérica com a namorada ou por abusar da atenção de colegas de trabalho, obcecadas com a ideia de que estão para perder o emprego ou precisam de ajuda para conseguir superar as dificuldades de seu dia. Os dramáticos são capazes de “adorar” alguém em um minuto e no momento seguinte odiá-lo com a mesma intensidade, sempre se expressando de maneira exagerada e supervalorizando acontecimentos sem maior relevância.


É comum que pessoas assim sejam extremamente volúveis, impulsivas e cultivem relacionamentos tumultuados, marcados por explosões, competição e agressividade. A tônica dessas relações parece ser os constantes altos e baixos, o que leva alguns psicólogos a chamar esse estilo de namoro ou casamento de “montanha-russa”, já que o casal tem grandes brigas e logo depois se entrega a calorosas reconciliações. É frequente que parceiros de pessoas tão impetuosas sejam vistos (e vejam a si mesmo) como “vítimas” da situação. Mas não é bem assim: não raro, os dois perfis tendem a se complementar, o que resulta em parcerias destrutivas. E essas duplas não se mantêm por acaso; os envolvidos apresentam “características complementares” que terminam por perpetuar a situação. Indivíduos com transtorno de personalidade histriônica, segundo classificação psiquiátrica, são extremamente emotivos e buscam a atenção com uma necessidade constante e excessiva de aprovação. Em relações de amizade ou em casos de convivência por contingência (na escola ou no trabalho, por exemplo) esses “pares complementares” também costumam se formar.


Morar ou trabalhar com gente com essas características costuma ser uma experiência cansativa e confusa. No ambiente profissional, por exemplo, a labilidade tão pronunciada de humor não só abala a própria produtividade, mas também a dos que estão por perto e, não raro, prejudica indiretamente toda a equipe. Invariavelmente, aqueles que convivem em casa com alguém exageradamente dramático são bombardeados por acusações, seguidas de tentativas nada discretas de desculpas, numa alternância de estados emocionais que podem variar, em poucas horas, da irritação e agressividade à sensação intensa de culpa, seguida de desalento e profunda exaustão, próxima à apatia. Alguns dramáticos se voltam de forma violenta contra quem está por perto, enquanto outros ameaçam cometer suicídio e chegam a ferir-se quando estão muito exaltados. Em geral, o comportamento radical está associado à depressão ou à ansiedade. O que nem todos sabem é que por trás dessas atitudes pode haver um distúrbio, em grande parte atribuído ao sofrimento enfrentado nos primeiros anos de vida.
Na maioria dos casos, os traços destrutivos são difíceis de ser modificados sem ajuda profissional. Quando esses comportamentos extremados fogem ao controle, passam a permear a maioria das áreas da vida, podendo caracterizar distúrbios psiquiátricos específicos, como o transtorno de personalidade borderline (TPB) – ou personalidade limítrofe.


Afinal, o que desencadeia tanto drama? O que faz com que divergências de opiniões e desentendimentos que poderiam ser facilmente resolvidos com tranquilidade se tornem verdadeiras tragédias? Um trauma vivido na infância pode ser o motivo em alguns desses casos. O psiquiatra Bruce Perry, da Academia de Trauma Infantil, em Houston, descobriu que o cérebro de crianças que passaram por vivências traumáticas – tais como abuso sexual, conflitos armados ou desastres naturais – podem sofrer alterações químicas, que atingem certas regiões neurais. Em razão disso, essas áreas tornam-se instáveis e supersensíveis a estímulos – o que, na prática, resulta na incapacidade de avaliar de forma adequada certos estímulos sociais e ambientais.


Segundo especialistas, a negligência na infância também é um fator de risco. Se os pais (ou aqueles que cumprem as funções paterna e materna) ignoram, menosprezam ou rejeitam sentimentos, ideias e experiências de uma criança, ela pode “decidir” que as representações dramáticas – desde se vestir de modo provocante até inventar histórias mirabolantes ou ter crises de descontrole – são necessárias para captar a atenção alheia. Com o passar dos anos, a intolerância à frustração e essa forma de se relacionar consigo mesmo e com os outros se tornam arraigadas.


A genética também pode contribuir para a instalação desse quadro. O comportamento exagerado se repete nas famílias, segundo o resultado de um estudo coordenado pelo psiquiatra John Gunderson, da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard. A equipe de pesquisadores descobriu que 27% dos parentes de pacientes com TPB reproduziam em seus relacionamentos padrões muito similares ao da pessoa em tratamento, embora esses aspectos muitas vezes se mostrassem atenuados. Entre aqueles que tinham vínculos familiares com pessoas diagnosticadas com outros transtornos de personalidade, apenas 17% desenvolviam traços do distúrbio borderline. Os fatores ambientais compartilhados – especialmente as práticas parentais observadas e aprendidas pelas crianças – podem desempenhar um papel preponderante nesse padrão. Gunderson acredita, porém, que variações genéticas ainda não descobertas possivelmente também predispõem alguns integrantes da família a dificuldades com relações afetivas e equilíbrio de humor.


    

[CENA DO FILME VICKY CRISTINA BARCELONA (2008): casal interpretado por Penélope Cruz e Javier Barden vive entre brigas e reconciliações]


CIRCUITO ALTERADO

Sejam quais forem as raízes de sua personalidade, o cérebro de pessoas descontroladas e afeitas a protagonizar cenas repletas de lágrimas, gestos amplos e gritos parece ser constituído de forma diferente do de pessoas mais equilibradas. Em 2007, a psiquiatra Emily Stern e seus colegas da Faculdade de Médicina de Weill Cornell usaram imagens de ressonância magnética funcional para medir a atividade cerebral de 14 voluntários saudáveis e de 16 com TPB enquanto eles desempenhavam uma tarefa que demandava reação diante de palavras negativas, positivas e neutras. Os pacientes de TPB demonstraram atividade diminuída na parte do córtex pré-frontal, que controla ações como planejamento e as reações emocionais, quando tiveram de inibir a resposta para uma palavra negativa – nesse caso, pressionando um botão.


Os estudiosos acreditam que pessoas especialmente dramáticas e aflitas parecem ter uma rede de circuitos menos potentes para a inibição de reações inadequadas a emoções negativas, o que torna difícil para eles controlar as respostas exageradas. Eles também podem ter emoções mais intensas: no estudo de Cornell, a amígdala, uma área do cérebro que processa os sentimentos, se mostrava hiperativa em pacientes de TPB.


No dia a dia, as consequências dessa alteração na rede de circuitos neurais deixam uma trilha de angústia. A inconstância afeta a concentração, a eficiência e o bom relacionamento no trabalho; na vida pessoal impede relacionamentos estáveis. Nesses casos, o acompanhamento psiquiátrico e psicológico costuma ser a providência mais eficaz para quem apresenta o distúrbio. A ajuda psicoterapêutica também é valiosa para aqueles que se veem obrigados a lidar com essas pessoas – ou, por razões afetivas, desejam conviver com elas. Compreender a dinâmica de determinadas atitudes pode ser fundamental para se desidentificar de padrões nocivos, abrandar seus efeitos – e libertar-se da prisão que significam.

Armadilhas do drama 
 
 
Conviver com uma pessoa emocionalmente instável requer alguns cuidados para evitar envolver-se em desgastes intensos – e desnecessários. Algumas estratégias podem ser úteis:

Estabeleça limites. Defina – primeiro para si e depois para a pessoa – quanto tempo pretende passar na companhia dela e quais assuntos está disposto a discutir. Mencione seus constrangimentos e, ao receber um telefonema dela, por exemplo, diga claramente, logo no início da conversa, quantos minutos tem para atender aquela ligação.


Fique atento. Não quebre suas próprias regras estendendo uma conversa, trocando fofocas ou fazendo convites por pena ou culpa. Pense que isso não vai ser bom para nenhum dos dois. Se quiser encontrá-la, tenha claro que se trata de uma opção sua e arque com os possíveis desconfortos decorrentes.


Não entre no “jogo”. Mantenha a calma caso o interlocutor se exalte, e evite reagir de forma também dramática. O uso de palavras e expressões como “nunca mais”, “ódio” ou “desgraça” tende a ampliar a emoção.


Valorize a positividade. Algumas pessoas gostam de conversar detalhadamente sobre uma situação, mas às vezes essa análise, quando feita de maneira repetitiva, apenas intensifica as desavenças e realimenta a discórdia. Para evitar essa armadilha, ouça o que o outro diz, mas procure se concentrar nos pontos positivos e, principalmente, no que pode ser feito para melhorar a situação.


Registre. Se as atitudes de um colega dramático perturbarem seu ambiente de trabalho, documente os episódios, anotando data, hora e natureza dos conflitos. Se a situação se tornar mais grave, pode ser necessário informar seus chefes ou o departamento de recursos humanos sobre o problema.


Considere cortar os laços. Se apesar de seus esforços o relacionamento se tornar prejudicial, talvez seja necessário evitá-lo, mesmo que para isso seja preciso mudar de emprego ou se separar do cônjuge. A ajuda de um terapeuta pode ser fundamental para avaliar de que forma essa relação o prejudica, quais são as questões pessoais que o fazem preservá-la e se vale a pena insistir nela.     

*Ophelia Austin-Small é jornalista científica
[Fonte: Mente e Cérebro-Artigo Cedido]

quinta-feira, março 10, 2011

J. D. Nasio - O tradutor da psicanálise
Aos 67 anos, o psiquiatra e psicanalista argentino, radicado na França desde 1969, tem 18 livros publicados e traduzidos em 13 idiomas; seu novo trabalho é sobre imagem corporal 
por Laura Battaglia
   

Esquemas teóricos, escritos e desenhados com tintas coloridas em grandes papéis, se espalham pelo chão do consultório e pelo divã. Esta é a etapa que se segue a vastas investigações sobre o assunto que Juan-David Nasio abordará em sua próxima aula. Ele lê, desenha e caminha sobre seus papéis enquanto pensa e elabora impressões acerca do tema. Em seguida, põe-se a escrever sua aula à mão, para que posteriormente o texto seja digitado pela secretária. Seguem-se inúmeras revisões, até que o psicanalista tenha certeza do que dirá a seus ouvintes, sejam eles especialistas ou estudantes de graduação. A preocupação intransigente em comunicar a experiência e a teoria psicanalítica de maneira acessível e nítida só se compara à paixão que ele tem por esta transmissão. Para ele, a clareza das palavras, sustentada pela escuta analítica e pelo rigor conceitual desperta no ouvinte, ou no leitor, o desejo de aproximar-se do enigma do inconsciente, como se pode constatar tanto na leitura de seus textos quanto na escuta de seus seminários e palestras. O professor chega, em alguns casos, a “dramatizar” alguns conceitos, usando filmes e gestos para torná-los inteligíveis.

CONFRONTO COM A LOUCURA
Embora alguns critiquem a forma como ele expõe a teoria, receando que a torne “rasa”, Nasio é hoje, aos 67 anos, um dos expoentes vivos da psicanálise. Aos 16, militante esquerdista, ingressou na graduação. Interessado em medicina social, identificou na psiquiatria a possibilidade de atuar nessa área. Essa especialização foi o primeiro passo em direção a sua formação como psicanalista clínico, pois lhe possibilitou o confronto com a loucura e o contato com pacientes psicóticos, o que lhe proporciona enorme aprendizado. Não por acaso ele defende que aqueles que se interessam pelo trabalho com pessoas que sofrem de transtornos mentais têm de conviver com pacientes psiquiátricos para aprender a escutar, se deixar afetar pela certeza delirante e buscar palavras que estabeleçam a comunicação com eles.

Clínico de crianças, jovens e adultos, pesquisador, autor de inúmeros artigos e de 18 livros publicados e traduzidos em 13 idiomas, foi professor de psicopatologia da Sorbonne, Paris, por 30 anos. Atualmente dirige os Seminários Psicanalíticos de Paris, instituição que fundou em 1986, destinada à transmissão da psicanálise e à formação de psicanalistas.

Laura Battaglia é psicanalista, mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), com especialização pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na casa de Freud
A residência ampla e acolhedora, no número 20 da rua Maresfield Gardens, região oeste de Londres, foi a última moradia do criador da psicanálise. Transformado em museu, o espaço guarda mais que objetos pessoais dos antigos moradores – permanece ali um pouco da história de incontáveis analistas e analisandos



MUSEU SIGMUND FREUD, LONDRES
por Moacyr Scliar
Para muitos pacientes, e para boa parte do público em geral, o psicanalista é uma figura neutra, discreta, reservada, quando não enigmática, de quem se conhece muito pouco. O que tem certo fundamento. No passado, ao menos, muitos psicanalistas temiam o acting out – a expressão de conflitos emocionais, por meio de comportamento impulsivo – e acreditavam que a proximidade com o analisando favoreceria essa “passagem ao ato”. Além disso, alguns profissionais receavam contaminar o tratamento apresentando-se aos pacientes como pessoas comuns. Por causa disso ainda hoje é rara a possibilidade de observar a intimidade de um analista.


Pois é justamente essa oportunidade que nos proporciona uma casa-museu situada no número 20 da rua Maresfield Gardens, no distrito de Hampstead, em Londres. E não se trata da residência de qualquer analista: o morador foi ninguém menos que o criador da psicanálise, Sigmund Freud. Em 1938, depois que a Áustria foi anexada pelos nazistas, ele, relutantemente, deixou Viena, onde vivia e trabalhava (no famoso endereço, Bergasse 19), e transferiu-se com a família para Londres. A mudança foi penosa para o homem idoso e doente – lutando com um câncer, ele viria a falecer em setembro do ano seguinte. Na casa aprazível no noroeste da capital inglesa Freud pôde contar com um ambiente confortável e, muito importante, com o apoio da família. Moravam com ele a esposa, Martha, a cunhada Minna, a empregada, Paula Fichtl, e a filha, e também terapeuta, Anna. Extraordinariamente dedicada ao pai, ela continuou vivendo ali até morrer, em 1982.


A residência, numa região muito tranqüila da movimentada Londres (e bem acessível, através do metrô, pela estação Finchley Road), é semelhante a outras do bairro: ampla, bonita e acolhedora. Nos fundos há um jardim-de-inverno, desenhado pelo arquiteto Ernst, filho de Freud. Surpreendentemente, os nazistas permitiram que o criador da psicanálise levasse boa parte de seus pertences para Londres, de modo que ali podemos ter uma idéia dos objetos com os quais convivia. O aposento que mais chama a atenção é, sem dúvida, o gabinete com a biblioteca – onde, mesmo exilado, continuou atendendo seus pacientes. O idioma não foi problema: ele falava bem inglês, ainda que com forte sotaque, como se pode constatar em um dos documentários exibidos no museu, em que ele faz, no idioma, uma síntese de sua própria trajetória.

Moacyr Scliar , era  médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras
O gene da impulsividade
Pesquisa com presidiários descobre mutação que pode predispor a ter atitudes impensadas, principalmente quando associada a outros fatores como uso de álcool
 
© Mopic/Shutterstock

 
 
 
Todas as pessoas, até mesmo as mais calmas, perdem o controle em algum momento. Nessas situações, geralmente tomam atitudes irrefletidas e exageradas que podem causar frustração, arrependimento e culpa. Um estudo recente feito na Finlândia com 96 presidiários demonstrou que a impulsividade excessiva, deflagrada pela irritação momentânea, pode ser provocada, pelo menos em parte, por uma mutação genética. 
 
 
Segundo a pesquisa, publicada na Nature, a alteração ocorre no gene HTR2B, um neurotransmissor receptor de serotonina que participa do processo de controle das reações em momentos de tensão. Para chegar a essa conclusão os cientistas sequenciaram o DNA de condenados por crimes violentos e compararam com o material genético de voluntários. Como esperado, a mutação denominada HTR2B Q20 se mostrou três vezes mais presente entre os presidiários – aparecendo em 17 deles. Os presos cometeram em média cinco atos brutais, sendo que em 94% dos casos eles estavam sob influência de bebidas alcoólicas. Os crimes iam desde reações agressivas a ocorrências sem maiores consequências, sem premeditação ou ganho financeiro. Apesar dessa descoberta, os pesquisadores ressaltam que apenas a presença da HTR2B Q20 não é suficiente para provocar ou prever o comportamento impulsivo. A interação com outros fatores como níveis de estresse e influência de entorpecentes deve ser levada em conta ao se discutir o tema.

sábado, janeiro 29, 2011

Psicanálise?
Uma conversa com Frank Julian Philips[Raridade]


Frank Philips é psicanalista. Afirmar isto numa revista é infelizmente vago. O significado desta afirmação só emergirá para algumas pessoas que tiveram a oportunidade de serem analisadas por ele. A força de suas idéias e ações analíticas tem no entanto, à sua revelia, atingido um público em nosso meio interessado em psicanálise. Daí a iniciativa de IDE em conversar com ele através de Leopold Nosek, Reinaldo Lobo e Luiz Carlos Junqueira Filho, registrar por escrito as passagens mais significativas e oferecer assim ao leitor um outro tipo de oportunidade no reconhecimento do psicanalista.
RL - O que distingue a sua psicanálise da psicanálise clássica? Podemos come­çar assim.


P - Esse é um assunto que deveria ser deixado fora, (risos), para não suscitar sensibilidades inutilmente. Eu acho que seria como se a gente começasse a comentar questões de raça. É sempre muito sensível, não lhe parece? (Risos).
Talvez isto possa estar implícito naquilo que vamos conversar. Eu acho que, quanto à distinção, não há nenhuma dificuldade: não se trata do objeto da realidade psíquica, mas de uma certa diferença na maneira como o material é tratado numa análise em andamento. É muito diferente.
A questão é que, no trabalho que eu estou fazendo, observa-se que a visão expande muito a cada momento. E isto necessita uma maneira de ver o material. Essencialmente, consiste em respeitar a diferença entre a realidade psíquica não sensorial e a realidade psíquica sensorial. O sensorial ocupa um lugar imenso na nossa vida histórica: toda a nossa vida depende da maneira em que podemos usar, primeiro a comida, que é a base de tudo para qualquer ser vivo neste planeta, em seguida, a maneira de obter a comida, quer dizer, hoje em dia a vida comercial, de salários, tudo que é necessário para ter comida, ter casa, tudo que é necessário para viver - tudo isso exercita os cinco sentidos o tempo todo. Agora, fazer uma distinção entre isto e o que não é sensorial exige uma abordagem mais intensa hoje em dia do que era sentido no passado, e isto foi introduzido principalmente pelo Dr. Bion, quando ele recomendou uma disciplina para o analista, uma disciplina que não é fácil de ser mantida o tempo todo - suspender o quanto puder todo desejo, toda necessidade de lembrar, ou seja, de ter memória, e mesmo de precisar compreender. Agora, isto parece à primeira vista, para o analista treinado em qualquer parte do mundo, algo estranho, alguma coisa meio curiosa, mas o fato é que quando a gente se habitua a mais atmosfera de escuridão, a uma espécie de atmosfera que poderia ser chamada de meio onírica, de maneira a ser possível transformar o que está acontecendo em alguma coisa que o paciente mesmo não poderia ter visto ou sentido; isto torna visível o que está presente lá, potencialmente, de forma não sensorial, favorecendo o surgimento na pessoa de que ela não conhecera. Esta é a essência do trabalho que eu tento fazer desde há algum tempo... agora, já desde há bastante tempo... É necessário para que isto aconteça que o analista mantenha esta disciplina com muita firmeza. É como se.ele levasse uma tela em branco, é a tela que está atrás da mente de cada pessoa. Bion disse mais uma .É como se o analista levasse uma tela em branco, é a tela que está atrás da mente de cada pessoa.

Coisa um tanto surpreendente para quem não tem o hábito de ver isso: que a gente devia poder ver o paciente que chega como um novo paciente, não aquele de ontem, ou antes. Ele diz que se a gente está vendo o mesmo paciente, a gente está vendo o paciente errado. Agora, para que isto seja perceptível é necessário que nenhuma sessão tenha qualquer histórico nem qualquer futuro, só aqueles 50 minutos na atmosfera em que a sessão analítica devia ser mantida. Tudo isso demanda experiência e uma análise a mais completa possível para o analista, para que ele tenha atingido uma familiaridade bastante real e intensa com a posição esquizo-paranóide, na sua interação com a posição depressiva, como foi descrita por Melanie Klein. Mas pode ser vista de outros modos também.


J - Bion, em seu artigo sobre a realida­de sensorial e a psíquica, partindo dessa disciplina de tentar restringir a memória e o desejo e considerando aquilo que o analista pode ver a partir disto, sugere que na mente que funciona no estado de alucinose, talvez exista um incremento deste mecanismo de memória e de desejo. O que o senhor acha disso?


P - Existe uma espécie de nível de alucinação encoberto, subjacente. Isto foi visto por Freud no capítulo 7° da Interpre­tação dos Sonhos, na parte onde ele estuda algo dos seus achados. Eu acho que eu vou ler essa parte. Acho que seria útil ouvirmos. Eu vou ler em inglês e depois vou traduzir, mas dá para pensar muita coisa a respeito de alucinação.
Bom, ele está resumindo vários aspectos sobre sonhos com questões de satisfação de desejos, de regressão, etc., mas eu me debrucei sobre essa frase há tempos atrás. E está no volume 5, pág. 567 do Standard Editora: "Though it is after all nothing but a substitute for a hallucinatory wish; and it is self-evident that dreams must be wish­fulfiments, since nothing but a wish can set our mental apparatus at work".
Não sei como está na tradução brasileira, mas vou tentar: "O pensamento, afinal de contas, não é nada mais do que um substituto para um desejo alucinatório, e é autoevidente que os sonhos devem ser realizações de desejos, já que nada é melhor que um desejo para pôr nosso aparato mental a trabalhar." Bom, refletindo sobre isto, a gente percebe que há uma espécie de nível de alucinação em quase tudo. Com meus pacientes estou chegando a poder observar isto mais abertamente. Meus pacientes trazem muitos sonhos. Não que eu peça, mas acontece. Quando eu falo alguma coisa concernente àquilo que o paciente está falando, tenho de poder alucinar com ele para poder dizer aquilo que ele está precisando, e que eu realmente não sei. Nenhuma interpretação de qualquer analista pode ser considerada necessariamente como verdadeira. E aí entra, talvez, algo da diferença entre meu trabalho e o trabalho clássico.


L - Existe na psicanálise uma abordagem conceitual de quando se escreve teoria abordando alguns conceitos como o de inconsciente, Édipo, etc. E a nível de trabalho clínico muitas vezes se confunde um nível teórico com o prático e se dá uma interpretação conceitual. Então eu lhe per­gunto:


P - Por conceito você está pensando em idéia?


L - Uma idéia com um nível de abstração, com uma certa distância da experiência de vida. É um conceito teórico. Só para completar eu perguntaria: Pode a experiência analítica ser melhor objetivada por uma representação estética e não conceitual?


P - Bem, se você está mencionando estética eu penso que você está se referindo a como podemos falar a linguagem. Todas as línguas têm a mesma possibilidade de serem usadas, mas nós não temos alternativa, ou é Português, ou é Inglês, ou Francês, ou Chinês, ou seja qual for, seguindo a nacionalidade do paciente e do analista. Mas, vamos pôr da seguinte forma: Freud nasceu no século passado, com os conceitos da neurologia daquela época em Viena e outras partes do mundo. Bem, muitas pessoas daquele período estavam contribuindo para examinar casos, porque naquela época a histeria estava muito em moda no mundo e nos consultórios dos neurologistas. Ele se estava confrontando com fatos que trouxeram a ele uma espécie de chance extraordinária, devido à sua intuição. Pôde verificar algo que o levou até os sonhos - ele tinha praticado um pouco de hipnose, mas não teve muito sucesso com aquilo, depois ele tinha estado com Charcot em Paris e observado muita coisa por lá. Finalmente, seu grande trabalho foi realizado com "A Interpretação dos Sonhos", que terminou em 1899.
E daí, aquela frase que mencionei. Bem, quanto aos sonhos, ele estava bem cônscio de que era uma função alucinatória, carregando um sentido não alucinatório...
Aquilo que ele descobriu com a análise dos sonhos é o que o senhor está mencionando como conceito, não? São evidências da vida psíquica da pessoa. Daí, a realidade psíquica tornou-se corrente e, hoje em dia, parece que tem sido possível elaborá-la com muito mais abertura que antes, a psicanálise, porque, depois de Freud, surgiu esta enorme concentração baseáda nas teo­rias que Freud elaborou e, depois, nas teorias que Melanie Klein elaborou e outras pessoas também, outros analistas daquela época inicial e de épocas sucessivas. Hoje em dia há 6.000 analistas no mundo, mais ou menos, pertencentes à Associação Internacional de Psicanálise e há uma imensidão de coisas escritas, mas a maior parte delas aparentemente são escritas sem uma consideração da distinção entre o sensorial e o não sensorial. Mas, em resposta a sua pergunta, eu não estou muito esclarecido quanto a esta questão do conceito sensorialmente estabelecido, quer dizer, penso que não tem a mesma significação quando ele é sensorialmente estabelecido, do que quando surge a partir de algo no paciente do qual ele não sabia nada. Quando isso acontece não sei se podemos chamar de conceito - é um evento. Freud usou esse termo em algum escrito dele. Ele disse numa carta a alguém, eu estava vendo outro dia, que quando escutou a frase do paciente dizendo: "Bom eu nunca teria pensado naquilo-,então sabia estar no caminho certo. Agora, isto acontece bastante no meu trabalho, muitas pessoas chegam a sentir: "Mas isto é assim mesmo", "é realmente assim".
Bom, é dispensável dizer que o Splitting nas maneiras de pensar e considerar tudo pode ser muito acentuado em qualquer paciente, mas hoje os problemas ligados àquilo que chamamos de envolvimento, essencialmente a identificação projetiva, é um dos assuntos de maior interesse para observar de maneiras exatas. Aonde vão os sonhos durante o dia? Não são visíveis, enquanto as estrelas não são visíveis, mas estão lá, presentes. De maneira que nós temos uma possibilidade, em análise de observá-los, quando é possível preservar esta atmosfera que eu chamo de escuridão para o analista. A possibilidade de estar vendo coisas que normalmente falando não seriam visíveis, nem audíveis. Aqui tenho que pôr em termos sensoriais.


J - Eu estava pensando algo assim: Hoje em dia nossa prática já tem quase 100 anos. Sabemos que este é um período muito restrito pensando na história da humanidade toda, mas acho que já deu para perceber uma direção no sentido desses 6.000 psicanalistas que o senhor mencionou estarem distribuídos nos países de tradição judáico-cristã...


P - Mas têm analistas na Índia, no Japão.. .


J - Mas muito pouco, não é?


P - Poucos, mas são sérios. Há analistas em Bombaim, em N. Delhi. Eu conheci um deles numa viagem.


J - Minha questão é a seguinte: será que os orientais teriam uma condição nata de observar o não sensorial e porisso prescindiriam da psicanálise?


P - Eu acho que sim. Eu acho bem possível. E acho que os orientais estão muito mais perto desse assunto do que nós. Mas. . . sabe, o que é importante para o analista na abordagem que eu tento descrever, é que ele perceba que está lidando com uma coisa absolutamente única no mundo; nunca, na história do mundo, duas pessoas puderam se encontrar numa sala e chegar a falar com uma constante diminuição da quantidade de mentiras e meias verdades de ambos os lados, como pode acontecer numa sessão de análise onde, independente da autoridade individual de cada uma das duas partes, não há autoridade nenhuma. É a primeira vez que isto está acontecendo no mundo. Eu não sei se há outro exemplo. Em que outra situação é que a teoria, a memória de como a análise deve ser praticada, pode estar ausente? Duas pessoas estão lá para tratar de um assunto muito sério, especialmente para uma delas; isto nunca aconteceu na história! O analista pode perceber que ele está numa situação única porque o sensorial pode ser deixado de lado e toda a atenção dele pode ser focalizada exclusivamente naquilo que surge, naquela atmosfera. Esta é uma situação completamente diferente, o que não impede que a análise esteja associada com a vida mesmo e até além, no caso da pessoa que está deitada no divã, percebendo o que nunca antes percebeu.
Aonde vão os sonhos durante o dia? Não são visíveis, enquanto as estrelas não sâo visíveis, mas estão lá, presentes.
As pessoas não estão plenamente equipadas com tudo que é necessário para po­der tornar a análise consciente e esclarecedora. Muita coisa tem que ser feita, mas ainda não foi, vai acontecer talvez daqui a um século, e se a análise durar até lá. Porque não houve outra pessoa que tratou o assunto como Bion, se a gente lê Transformações e os trabalhos sobre a Grade e tudo que está envolvido naquilo, a gente percebe que ele foi muito longe. Mas Bion era assim... parecia que ele não estava dizendo grande coisa. Numa ocasião eu morava em Londres muito perto de onde ele praticava análise, eu morava distante uns 400 metros. Um dia, por acaso, acho que foi pela manhã, eu cheguei onde ele trabalhava, subi, deitei no divã e ele sentou-se na poltrona e talvez eu falei alguma coisa, não sei o quê. Não aconteceu muita coisa e de repente, eu percebi que estava na hora errada. Então disse para ele: "Desculpe, mas eu penso que vim na hora errada". Acho que ele não disse nada, só se levantou. Aí eu disse, eu volto às três e meia, ou quatro horas, não sei que horas eram. Eu saí, voltei para minha casa e depois voltei. Nada foi dito. Simplesmente nada. Isto foi nos anos 60. Era assim.


L - Talvez o senhor pudesse contar alguma coisa. O senhor fez análise com Melanie Klein.


P - Sim, eu fiz.


L - O senhor pode contar alguma coisa sobre esta experiência.


P - Eu estava fazendo análise com Melanie Klein e o que posso dizer sobre Melanie Klein, em todo caso, é que foi uma experiência excepcional que me lançou a fazer sete anos de análise de crianças. Mas, para minha formação não posso dizer grandes coisas a não ser que era totalmente diferente, totalmente diferente! Mas eu tenho muitas anedotas sobre Melanie Klein (risos), mas eu prefiro não contar. Melanie Klein era muito culta, falava muito bem francês; no inglês, o seu acento era sempre algo carregado pelo fato de que era Vienense.


J - Melanie Klein e Bion posteriormente deram importância ou perceberam a importância da relação com o seio e com o pênis. Sua experiência confirma isto?


P - Oh, sim! Melanie Klein tinha uma intuição fantástica e apanhava o fundo da pessoa. Mas Bion foi muito útil para mim também, porque ele abordava as coisas de uma maneira que ela não abordou, pois Bion teve uma experiência independente da psicanálise. Em 1917, durante a Guerra na França, tudo que ele observou da realidade como ela realmente é na guerra deixou-o bastante desiludido com tudo o que existe de mentira na vida humana. Para Melanie Klein não faltou percepção, mas de um outro modo; ela estava mais concentrada na psique da criança, do bebê e no adulto também e hoje devo dizer que utilizo muito, na minha tentativa de trabalhar com psicanálise, as observações dela, e do Bion também, quanto à localização do estado de mente da infância no adulto bem como no adolescente, e na própria criança também. Porque na criança, mesmo que ela esteja num estado de mente precedente à sua existência, isto persiste. É uma espécie de casamento entre o estado de mente precoce e o estado de mente atual, o tempo todo. É como uma escada que a gente sobe. E está sempre lá: a escada não falta. Agora, a possibilidade de sentir esta escada, de percebê-la em análise, é muito útil. Por exemplo, na observação de uma sessão psicanalïtica, com referência ao psíquico não sensorial, há um dado momento em que de repente podemos demonstrar algo que está acontecendo com o tráfego, por exemplo, ou eu inventar isto agora sócomo um exemplo: quando todos chegam atrasados por causa do tráfego, pode-se mostrar que isto refere-se a algo da infância, quando a gente estava tentando falar, andar e ainda não podia. Quer dizer, uma observação dessa, ligando uma coisa que não parece relacionada com aquilo que existe na atualidade, remete a pessoa a uma visão dela mesma. É isto que nós podemos fazer em análise. Então, deste modo, eu chego a poder alucinar junto com a pessoa e falar dessas coisas como mencionei...


J - Uma vez o senhor fez um comentário em Les Eyzies onde tem aquele museu de paleontologia, lá onde o senhor passa férias com freqüência na Dordogne. O senhor comentou que talvez em termos de evolução mental não tivesse havido muita mudança daquela época até hoje em dia. Será que seria em função do fato de que naquela época o homem já estava imerso num mundo primordialmente sensorial?


P - Bem, eu tornei-me grande amigo, junto com minha primeira mulher, de um professor de Harvard que estava lá com uma turma de estudantes de arqueologia, todos os anos no período de 58 a 69: durante vários anos escavaram "digs", comose chama em inglês. Faziam buracos de entre 6 a 8 metros de profundidade, onde a gente percebe na rocha traços de fumaça. Isto datava até entre 20 a 35 mil anos atrás. Aquela região era rica em pesca, o mato rico em bichos, etc. E viveram nas cavernas das rochas. Pense na gruta de Lauseane com amostras das pinturas.
 - Parece então, que o homem atual talvez não tenha conseguido evoluir para se livrar de sua carga sensorial.
....O importante para o analista é que ele perceba que está lidando com uma situação única.
P - Não é uma carga, me desculpe, não é uma carga, é essencial! Se a gente sente pegar um corpo e sente que tem essas qualidades e gosta e não gosta, e não sei o que mais, isso é tudo necessário. E as mãos da criança no peito da mãe, são sensoriais. A maneira que a faça em forte luz em que a psicanálise é um processo especial a despeito de qualquer outro e separa-se do sensorial simplesmente para poder preencher aquela tarefa, é diferente. É para oferecer aos humanos que podem interessar-se pelo fato, uma esperança única. Mas não pense que o sensorial é uma carga, é absolutamente essencial.
Simplesmente eu queria ir ao fundo de uma coisa e fui! Eu tive uma sorte algo rara, porque sou o único analista que fez isso. A não ser uma outra pessoa que teve um pequeno período, depois, de Melanie Klein, com Wilfred, mas muito pouco. Eu sou o único que ainda está vivo que fez aquilo.


L - Eu gostaria que o senhor falasse um pouco. Se a gente pensar que tem 6.000 analistas no mundo,é muito pouco! Muito poucas pessoas...


P - É muito pouco, sim. É uma coisa pequena, mas o efeito vai longe, porque tem 3.000 ou tinha 3.000 só em Manhattan. Me parece muita coisa! Mas não sei se é verdade; soube tempos atrás.
A dificuldade com psicanálise, agora, é que como se diz em inglês, é uma espécie de "hunting ground" para qualquer coisa, qualquer pessoa - para os charlatães e toda espécie de coisa. É usada em literatura, no palco e não sei o quê. De milhares de maneiras. A gente sente que está sendo afetada, por novos indícios de estar sendo gasto, justamente pela falta de vida, vida que Wilfred Bion podia trazer como algo necessário. É por isso que eu penso que nosso assunto hoje é potencialmente uma espécie de luz sobre esse problema todo, porque ou a gente faz a coisa direito ou não faz.


L - O senhor teve e ainda tem uma no­tável influência em nosso meio, em São Paulo...


P - Bion?


L - O senhor e Bion...


P - Bom, mas não estou muito em contacto hoje em dia com a sociedade analítica. Eu não tenho nada contra, mas não estou muito em contacto.


L - De qualquer maneira, o senhor analisou a maioria dos didatas da sociedade. Como é que o senhor vê o futuro da psicanálise em São Paulo, no Brasil? Como o senhor está vendo isso?


P – Não estou vendo isso. Estou ouvindo alguma coisa, mas eu penso que é difícil de prever, porque houve um excesso de admissão de pessoas antes de verificar realmente quem eram e do que seriam capa­zes, tanto em São Paulo como no Rio.


L - O senhor tem restrições a isso?


P - Não. Eu penso que faz parte da situação atual. Eu penso que a psicanálise tem que sobreviver com o indivíduo talvez.
Através da análise aquilo que está na pessoa será mais dela.Ela será mais ela.
L - Com o indivíduo?


P - Sobreviver. Se as sociedades analíticas não sobrevivem será por falta de disciplina. Disciplina inerente. Eu não tenho nada contra. Eu penso que, sabe, é uma espécie de lei da natureza que uma certa quantidade, um certo número de pessoas são destinadas a desaparecer prematuramente antes de chegar a 60, 70, 80 ou 90 anos. É natural mesmo. Se matam com motocicletas os jovens, há guerras... Muita coisa acontece e tem de acontecer. Sempre acontece na raça humana e será a mesma coisa com a psicanálise. Acho a mesma coisa.


J - O senhor mencionou...


P - Não adianta entusiasmo e patriotismo! (risos).


J - O senhor mencionou há pouco todos esses anos de análise com Melanie Klein e com Bion. Eu estava pensando recentemente sobre esse atributo do ser humano de ir buscar aquilo que interessa aonde estiver. Mas eu acho que é um atributo pouco explorado.


P - Não sei bem o que quer dizer. Não entendi a frase.


J - Refiro-me à pessoa ir atrás daquilo que interessa a ela, aonde estiver. Me pare­ce que o senhor, ao longo de sua vida, de algum modo teve a oportunidade de fazer isto.


P - Ah, sim! Compreendo. Aliás, entre os dietistas há uma espécie de lei que eles observam: as pessoas procuram naturalmente o que elas precisam, se não são influenciadas pela televisão e pela propaganda. Se elas se sentem livres de autoridade - falo nesse sentido se forem deixadas em paz, então procuram o que precisam.


J - Atualmente, eu vejo que o senhor continua nesse caminho. Está interessado em Shakespeare, está aprendendo grego.


P - Eu estou aprendendo grego porque na minha escola eu não aprendi, quando eu era moço. E quando eu estou lendo Platão - aconteceu há uns anos atrás -, eu estava lendo uma edição francesa muito boa de vários trabalhos de Platão e, ao consultar as notas, este editor citou várias pessoas em grego. Não estava no texto, mas depois ele citou nas notas o grego e disse: "Infelizmente, isso não pode ser traduzido". É por isso que eu quero aprender grego. Estou falando agora grego demótico, mas que tem uma ligação. E estou falando grego antigo também. Aliás, eu vou prá lá, talvez em maio. Tenho um professor grego e estou gostando muito.


J - Em Shakespeare também o senhor tem estado muito interessado.


P - Sim. Nós vamos assistir em Stratford, no mês que vem, Ricardo II e Macbeth. É um dos meus favoritos. Com minha mulher, nós temos estudado com Bárbara Heliodora - ela vem hoje à tarde aqui. Vimos todos os textos. Fizemos todos os textos, todos os romances, todas as comédias, todas as peças, menos aquelas duas anteriores e os históricos.


J - O senhor tem achado. que Shakes­peare conseguiu um contato com essa realidade emocional...


P - Sim, mas o interessante de Shakespeare é que eu descobri porque ele se tornou Shakespeare. É por causa da distribuição do sensorial e do não sensorial. Ele sabia disso de uma maneira clara como o dia. Ele sabia a diferença. Por exemplo, na parte da comédia, na parte dos palhaços e na parte da alucinação também tudo estava associado com o sensorial. Em Shakespeare, isto é muito claro.


L - Talvez o senhor pudesse falar um pouco sobre o interesse do analista. É muito comentado o ponto de vista do paciente, o benefício para o paciente da psicanálise. O que podemos ver é que com o nosso desenvolvimento podemos passar mais horas junto do nosso trabalho, junto com o paciente e o interesse pode ir aumentando. Talvez o senhor pudesse falar um pouco do interesse do analista na análise. O que ele pode desenvolver, aprender no seu trabaho, a atração que este exerce...


P - Bom, eu sinto com cada caso que eu próprio progrido junto com o paciente. Eu sinto isso sempre, porque, em podendo acompanhar aquilo que for, eu aprendo o que está acontecendo. E como você sabe, cada caso e cada pessoa é diferente. Não há duas pessoas idênticas no mundo inteiro, de maneira que isso não é propriamente interesse, mas é uma espécie de evento que acontece. Eu não tenho nenhum desejo de que a pessoa fique melhor ou que fique outra coisa do que ela é. Eu me lembro de uma anedota do Bion a este respeito - acho que foi numa dessas conferências aqui em São Paúlo. - em que ele disse que se ele for solicitado por um bom ladrão para fazer análise, ele poderia analisá-lo e seria provável que, se ele tiver mesmo um talento natural, ele sairia um ladrão melhor devido à análise. Talvez isso responda à sua pergunta. Quer dizer, aquilo que está na pessoa, será mais dela. Ela será mais ela.


L- Os dois, o analista também?


P - Sim. O paciente será mais ele ainda do que quando entrou. Mas não necessaria­mente bonito, nem curado, mas mais ele.


L - Talvez a gente pudesse pensar um pouco o prazer - o prazer é uma má palavra -, mas talvez prazer mesmo, do analista em participar desse processo.


P - Não sei se é prazer.


L - O que atrairia o analista para uma sala de análise, para analisar os outros?


P - Provavelmente, o benefício que eu tive nas minhas análises pessoais. De poder usar aquilo. Só isso. Nada mais. Não, eu não tenho, eu não compartilho com meus pacientes além do social, normal entre gente. Mas o analista não devia ter nenhum toque, nem de ódio, nem de amor, na análise, no trabalho. Nada. É responsabilidade dele mesmo, que ele simplesmente não tenha aquilo disponível - nem amor, nem ódio.
Sabe, quando pais estão com filhos crescendo, chega um certo ponto, não se pode dizer qual, em que devem ser capazes de deixá-los ir como querem. Não mais o sistema da família, não mais o que a mãe pensava, o que o pai pensava, mas o que o filho quer. Essa é uma arte da vida. É a mesma coisa em análise. Melanie Klein teve uma certa atitude para com certas coisas da minha vida, no mesmo sentido - difícil de por em palavras - talvez um certo "toque" que a gente gostaria de dar para alguma coisa, quando a gente percebe que um "arranco" vai ajudar a pessoa. Um poucodisso pode ser, mas, estritamente falando, não devia ser. Mas entra. Para dar uma espécie de.. .


J - Empurrãozinho?


P - Sim. É um empurrãozinho, mas nada além disso, porque seria talvez mais

O que Bion fez foi jogar uma luz mais forte sobre a Psicanálise.


complicado. Mas isto não é um acting-in com o paciente, não chega a este ponto. Agora, onde alucinação é muito evidente de tratar-se de acting out, porque acting out é uma constante em análise - sempre há acting out. É no acting out que a gente percebe alucinação mais facilmente. Sempre há.


L - O senhor não vê nem a possibilidade de aplicação da análise a grupos, como Bion fez no início de sua vida profissional? Não vê a possibilidade da aplicação dos conceitos psicanalíticos nem para a compreensão dos grupos?


P - É... Bom... Bion mesmo não usou grupos... Bion usou grupos como ele descreve naquele livro "Experiências com grupos". Mas o mais interessante - eu observo - é o grupo no indivíduo. Eu nunca fiz grupos. Eu nunca me interessei por grupos. Mas o grupo é meramente a mesma coisa de que o indivíduo, porém com mecanismos psicóticos. Todo grupo funciona na base de mecanismos psicóticos. Tem que ser assim, porque a pessoa é assim: quando está num grupo, maior do que um par, torna-se psicótico.


L - Numa ocasião, o senhor me disse que Bion nada mais fez do que levar até as últimas conseqüências o que Freud disse. E, se a gente lê a obra de Freud, a gente verifica isso facilmente. A maior parte das coisas que Bion disse...


P - Não; mas há uma diferença: Melanie Klein.


L - Sim.


P - Há uma diferença, sabe? Freud não chegou a considerar Melanie Klein. Ela escreveu uma carta para ele quando chegou na Inglaterra, antes da Segunda Guerra Mundial. Em setembro? Foi em setembro que ele chegou? Não, deve ter sido meses antes.


L - Em setembro ele morreu.


P - Sim, sim. Foi pouco tempo antes,uns meses antes. Em setembro, 22, ele morreu. Melanie Klein morreu também em 22 de um outro setembro.


L - Saiu, há um ou dois números atrás do "International", um trabalho retomando cartas de Freud para Jones e de Jones para Freud, acerca dos inícios da discussão de Melanie Klein com Anna Freud. Melanie Klein já estava em Londres. Ela tinha sido levada e, inclusive, analisava os filhos de Jones. Jones se refere a isto nas cartas, de como ela estava sendo útil, não só para o movimento analítico na Inglaterra, mas também pessoalmente. Tem uma correspondência... eu não tenho bem certeza, mas acho que é do início dos anos 20, é uma correspondência dura de Jones para Freud, e de Freud para Jones. Inclusive tinha algumas coisas como Melanie Klein acusando Anna Freud de pouca análise e isso ofendendo pessoalmente a Freud.


P - Sim, mas isto, sim... Eu não sabia desta correspondência, mas o fato é que Freud mesmo nunca tinha sido analisado. Não teria sido possível. Ele tinha uma cabeça magnífica - culto, fino, perceptivo e uma paixão pela realidade psíquica, segundo penso. Ah, aquela atmosfera em Viena... Eu fui para Viena em 1935, porque pensei em me analisar em Viena. Fui recebido por Anna Freud, que depois conheci em Londres socialmente, um pouco. Fui recebido por ela na casa de Freud (em Gpinzing), num bonito subúrbio de Viena, muito agradavelmente, e ela me deu uma apresentação a Paul Federn e a uma outra pessoa cujo nome não me lembro no momento e que eu vi também. Eu não podia ver Freud porque ele tinha, justo naquele momento, tido uma das suas operações. Mas foi uma experiência muito agradável, interessante. Mas eu decidi não ficar em Viena: naquele tempo eu não falava alemão, talvez um pouquinho. Depois eu cheguei a falar alemão, correntemente. Mas eu fui para Londres e tive uma entrevista com Glover, Edward Glover, que era então secretário da Sociedade. Era muito amável, muito boa pessoa; era um escocês. Eu cheguei a conhecê-lo porque morava no mesmo bairro, depois, em Londres. Algumas vezes eu o via na rua. E assim foi, mas, onde estávamos? Eu perdi o fio.


L - Um pouco na discussão de escolas.


P - A de Melanie Klein, sim. Freud não tinha uma possibilidade de entrar no trabalho de Melanie Klein: ele era velho demais e não dava. Parece que ele comentou uma vez ou outra que era interessante, não sei o quê. Mas eu penso que a influência de Anna influiu muito aí. Talvez rivalidade entre mulheres (risos). Mas Melanie Klein era tão, tão mais capaz do que Anna Freud!Não havia comparação! Mas Anna Freud era graciosa, era uma excelente cabeça para pôr as coisas claras em palavras, etc., mas era ligada às estruturas que Freud tinha estabelecido, de Ego, Superego, Complexo de Édipo. Tudo isto, hoje em dia, pode ser visto de outro ângulo. A questão da resistência é percebida diferentemente - o que antes era visto como resistência, hoje é inveja, triturada pelo splitting, de elementos de inveja, por exemplo. E muitos outros fatores. Mesmo o Complexo de Édipo, que é muito, muito útil, às vezes deixa a gente sentindo um pouco que não está necessariamente tão exato como Freud usou. Freud precisava daquilo que ele podia pegar pelas mãos e ele tinha uma cultura grande, muito, muito bonita. Muito grande! Ele podia pegar certas coisas e usar com muita habilidade, e, além disso, tinha uma integridade absolutamente perfeita, ao meu ver. Era um homem daqueles raros que tenho visto. Mas ele tinha que construir uma coisa que se tornou imensamente forte, poderosa, e uma porção de gente quis pular, como se diz na língua inglesa, no caminhão da música. E assim foi, e assim tem sido.


J - Parece que o senhor continua nessa trilha. Não vejo o senhor muito preocupado com as coisas do passado. Está interessado nas coisas do presente e talvez do futuro.


P - Bom, provavelmente devido à análise, sim. Passado é útil quando a experiência te deu competência. Mas depois daquela experiência havida, o passado não tem mais nenhum uso, nenhum outro uso, porque tudo muda. E no progresso de uma sessão analítica tudo está mudando o tempo todo. A cada momento está mudando e a cada momento a gente, de repente, é confrontado com algo que está acontecendo e que pode ser relacionado com a pessoa na sala e comigo. Isso é o que torna o assunto tão rico, mas tão difícil de poder escrever. Não se pode escrever. Não é possível.


L - O senhor acha que existe uma escola bioniana?
Passado é útil quando a  experiência deu competência. Mas depois dela, não tem mais nenhum uso, tudo muda.

P - Eu acho que sim, vai existir mais no futuro, mas por enquanto não. Tem uma certa escola, sim, um grupo, não muitas pessoas. Em Los Angeles, Bion deixou um grupo de pessoas, mas não posso dizer que é uma escola. São certos indivíduos. Tem um senhor em New York que eu gostaria de conhecer, que está muito interessado. Em várias partes vão brotar por aí, como cogumelos depois de uma chuva forte. Mas vai levar tempo, porque o que Bion fez foi jogar uma luz muito forte sobre a psicanálise e muita gente não aguenta essa luz.


L - O Bion disse numa das conferências brasileiras que o surgimento da psicanálise atendia a um certo mal-estar na civilização. A obra de Freud veio para tentar achar uma solução para esse mal-estar na cultura. E, de certa maneira, a obra de Bion surge num período de crise da psicanálise, quer dizer, de mal-estar não na cultura em geral, mas na cultura psicanalítica.


P - Eu penso que a existência de Bion causou a crise, se se pode chamar de crise, não era nova no grau em que ele foi ouvido e lido.


L - Por que o senhor diria que lançar uma luz incomoda tanto?


P - É doloroso questionar que essa bela fala que é ensinada para usar nos institutos - não digo todos - e que consiste de interpretações, do que se deve dizer, de como tratar e tudo isto, talvez não seria necessária para as pessoas se tivessem tido um outro começo possível nas suas análises. Mas quando são introduzidos naquilo e estão com angústia, porque análise é angústia, não podem trabalhar com análise sem sen­ir angústia, e este fato leva as pessoas a se protegerem como podem.


J - Mas isto pode gerar, quando a pessoa consegue ser um pouco mais ela mesma, angústias, talvez, de megalomania. Me parece que gera também suspeitas disso no grupo, não é?


P - Eu não sei, depende da pessoa.. .


J - De onipotência, de arrogância.


P - Não sei. Eu queria lhes dizer a verdade: não sei se concordo, acho que tenho minhas reservas muito fortes. No grupo, sim! Se o grupo decide te atacar, não é? Ou quando se vira contra um par no meio que está flertando um com o outro - numa reunião de igreja, por exemplo. Isto pode ser muito grave para o par. Há muitos fatores que podem alterar... Mas não, não concordo que isto é perigoso. Depende do indivíduo. O que perturba muito no grupo, por exemplo de psicanálise num Instituto, é de não poder observar o indivíduo que está realmente com o assunto, por causa de rivalidades invejosas e opiniões predeterminadas de como as pessoas devem ser quando estão fazendo análises individuais, etc. Isto pode perturbar tudo. Só que o assunto é tremendo! A mente humana é um instrumento terrível e o assunto é enorme. A análise serve para começar, mas ainda não percebemos muitas coisas.


L - Tem um duplo sentido, porque a instituição analítica, por um lado é necesséria, e, por outro lado, ela é também um fator de impedimento. As pessoas precisam ser ensinadas, precisam ser ajudadas a aprender. Como fazer isso?


P - Mas eu penso que não é necessário que pessoas sejam ajudadas a perceber, elas vão perceber, se tiverem análise.


L - A própria análise é uma forma de...

P - A única coisa que realmente conta é a análise pessoal do analista. É o único ponto que é realmente importante.


L - Talvez o senhor pudesse falar um pouco sobre o que o senhor pensa sobre supervisão, sobre seminários clínicos, sobre uma forma profissional de ensino.


P - Eu não sou muito favorável a muita supervisão. Eu penso que é sempre uma interferência com a análise da pessoa. E mesmo se não estiver em análise, à pessoa que quer supervisão comigo eu não recomendo mais do que algumas sessões, mas não muitas. Porque se a pessoa não pode usar um pouco a opinião de um outro analista, de uma maneira útil para ela, usar aquilo em poucas sessões, muitas não vão fazer mais do que estragar. Penso que não é boa coisa. Supervisão é semelhante a manter a criança no peito materno depois de ter desmamado. Não acho que é grande coisa. A experiência, sim, é importante. É por isso que eu sou favorável, eu confesso, com um certo prejuízo da minha opinião, que sou mais favorável a médicos como candidatos do que a psicólogos. Pessoas que tiveram uma certa disciplina e contato com humanos sofrendo, de uma certa idéia do que cabe. Eu não sou médico; não lamento isso, mas eu penso que teria sido melhor se eu tivesse sido. Mas, simplesmente por essa razão: ter mais contato com os humanos como são. E quando pessoas têm esses sentimentos pelo contato com os humanos como são, eu penso que é tudo o que o candidato precisa. Não precisa tanto ensinamento de como fazer análise. Eu acho.


J - Curiosamente, a gente observa o quanto o insight analítico faz falta aos médicos na sua profissão.


P - Sim, mas há médicos intuitivos, que, às vezes podem apreciar a análise ou fazer análise. Depende da pessoa - mas não devemos ter regras.


L - Enquanto uma pessoa está trabalhando ela não tem objetivos, necessita de uma certa disciplina para não ter memória, desejos, objetivos.. .


P - Não é não ter. Não. É mais importante suspender, não ser iludido em dizer que pode eliminar. Não é fácil, mas é possível. A gente precisa de uma disciplina, mas não vai desaparecer.


L - Mas não existe implícita a idéia de que é possível aumentar a experiência, atingir uma certa sabedoria, estar mais em contato comigo mesmo? Não é, afinal de contas, ficar mais sábio?


P - Sim, sim!


L - ... mais autônomo.. .


P - Sim, sim!


L - É possível que a capacidade negativa possa ser conquistada?


P - Sim, sim! Eu penso que sim, ou eu acho que sim! Eu acho que há a possibilidade de um desconhecimento por parte do analista, no começo de qualquer sessão, porque a pessoa que chega, saiba ou não saiba, experimenta um choque cada vez que entra na sala do analista. E, se a gente tem a vantagem, recomendada por Bion, de ver essa pessoa como nova, como uma pessoa não conhecida antes, isto estabelece uma certa distância de atitude que permite, então, que haja mais visão possível, porque se as pessoas estão grudadas não dá para ver um ao outro. Naturalmente, há uma certa parte interessada em manter distância, mas freqüentemente eu deixo de ver distância pois a pele fica repleta de tensão emocional.


J - Como é que o senhor chegou nessa questão de autoridade, que tem lhe interessado tanto ultimamente?


P - É que isso me aborrecia tanto! (ri­sos). Sabe, quando a gente é sujeito à autoridade, é cacete! Penso que sim! Quero dizer: autoridade em psicanálise, que não é real, é fictícia. Ninguém tem autoridade em psicanálise, porque ninguém sabe nada. Ninguém pode dizer o que é a realidade, de nenhuma maneira neste planeta. Não é possível. Então, se organizaram desde o começo do nosso mundo humano, uma porção de autoridades, inclusive os Institutos de Psicanálise. E isso deixa a gente gradativamente, querendo ser livre.




Fonte: Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo     

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sexta-feira, janeiro 28, 2011

Como não se sentir abandonada (o)

Por Lygya Maya


De acordo com nossa interpretação se alguém que amamos sai de nossa vida, seja fisicamente, emocionalmente ou espiritualmente, fomos abandonados. Assimilando esta interpretação e este sentimento, temos a impressão que somos limitados por não ter conseguido manter aquele alguém perto ou nos amando.

Para alguns, pronto, acabou o mundo. O drama toma conta da vida dessas pessoas e, por muitas vezes, as leva a extremas consequências como doenças emocionais, mentais, espirituais, físicas e até a morte.

O que podemos fazer ou pensar para que este fato não nos atinja de uma maneira catastrófica como atinge milhares de seres humanos?

Bom, vamos pensar juntos: se o sentimento produzido por nós mesmos foi criado por causa de nossa interpretação do fato, então é óbvio que temos o poder de recriar uma nova interpretação para esse fato, concorda? Essa é a chave do poder humano que muitos não usam por ignorância do próprio poder.
Esse poder de criar que temos pode tanto nos destruir quanto nos aprimorar, cabe a nós decidir onde e como focar nossa mente.

O que fazer para aprimorar nossas vidas? Podemos fazer 3 coisas:

1) Mudar a interpretação que traz sofrimento imediatamente.
Por exemplo: Qual é o oposto da interpretação que nos leva a sofrer? Que somos ilimitados e capazes de mudar a nossa vida para melhor aconteça o que acontecer. Portanto, temos as opções de pensar que:

a) Somos fortes o suficiente para vivermos sozinhos
b) Temos outras pessoas que nos amam e/ou amarão no futuro
c) Há males que vem para o bem
d) Antes só do que mal acompanhada (o)
e) Mudança em nossa vida é sempre bom. Sabe porquê? Por que sempre poderemos aprender com isso.

2) Agir daí por diante com mais amor próprio do que antes
Por exemplo: O que lhe traz mais alegria e felicidade na vida?

a) Faça uma lista de situações e coisas que lhe fazem feliz
b) Escreva um plano organizado em que essas situações e coisas possam ser parte de sua vida
c) Organize sua vida de acordo com o plano para que sua lista seja manifestada e curtida por você.

3) Ser um eterno aprendiz

a) O que pode ser aprendido da lição que a vida nos deu?
b) O que fazer para não repetir a dor e o sofrimento na vida?
c) Como seria possível ser uma pessoa tão desejável e querida que seria difícil deixar ou se desligar?

Entendeu o raciocínio?

Podemos usar o fato de uma pessoa sair de nossa vida como uma excelente lição para o nosso aprendizado e evolução ao invés de lástima, frustração e estresse dramático e deprimente.
i esta a chave do poder de um ser interpretar os fatos de uma maneira positiva visando a um resultado gratificante.

Assim sendo, o abandono (ou ausência de outrem) se torna uma experiência digna de um guerreiro ou guerreira se tornar um(a) vitorioso(a) na batalha da realização pessoal e profissional para sempre.

Afinal de contas, você nasceu só por alguma razão.

Sua no aprendizado sobre si.

L.)


A autora é a única brasileira no mundo que combina intuição Xamanica com técnica americana de coaching (treinamento) para ajudar pessoas a adotar atitudes positivas e poderosas que irão eliminar o estresse e injetar paixão na vida profissional assim como a pessoal. Lygya Maya viveu no exterior por 29 anos, e já se apresentou em vários programas de radio e TV Americana (WB11, Fox, CBS, E NBC), além de ter sido mencionada em jornais como o New York Times, New York Post, Daily News, e em revistas como Vanity Fair, Essence, Time Out de Londres. Ela foi uma palestrante da companhia de Anthony Robbins (mestre motivador americano) viajando o mundo em sua companhia por 3 anos e agora volta a morar no Brasil e escreve dicas poderosas e realísticas para você criar uma vida extraordinária. Seu site: www.lygyamaya.com.br.

quarta-feira, dezembro 29, 2010

 "O OUTRO LADO DA FAMA 
- Modelos Profissionais: um vértice psicanalítico"[1]

 


Miriam Sarué Tawil


1- Introdução


Nestes tempos pós-modernos, o vértice psicanalítico sobre as modelos profissionais tem um ângulo muito específico que parte de um referencial característico focado na construção da subjetividade.
Estamos na era da publicidade. Meios eletrônicos substituem a literatura. “Jingles publicitários são como poesia”, já foi dito. Ser modelo, contemporaneamente é algo muito valorizado. O corpo como imagem da marca é uma questão bem ampla, ainda mais, no Mundo Fashion. O corpo da modelo deve ter medidas conforme as determinações das agências; exige-se que sejam até dez quilos mais magra, mesmo quando estão dentro do peso ideal. O critério padrão da saúde difere do estético. A modelo pode ser contratada e, se engordar um centímetro nos quadris, perde o trabalho. Algumas, mais privilegiadas, têm natureza magra, não precisam se esforçar, enquanto outras, são escravas da balança.
A moça, que com toda a sua beleza, estampa a foto da revista, muitas vezes traz um sofrimento intenso que só é revelado nos bastidores. Enquanto esse dito Mundo Fashion ressoa na subjetividade das modelos, como algo que por um lado as valoriza e por outro, rouba-lhes o passado, sérios transtornos de identidade manifestam-se. O glamour e a oportunidade de ter uma ascensão social são chances únicas de contato com as diversas áreas da cultura. As modelos, muitas vezes se referem ao Mundo Fashion como “mundinho” frívolo e superficial, especialmente quando comparado ao mundo “natureza” de onde vieram, e pode ser encarado também, como uma ameaça para a humanidade de quem se insere demasiadamente nele. Nos bastidores, a ruptura das raízes, é vivida, às vezes, de forma muito dolorosa. Os dois mundos, o antes e o depois do início da carreira, são integrados ou mantidos separados, fazendo com que a memória, a afetividade e as relações com os outros se tornem superficiais, um processo inconsciente para evitar o contato com as perdas.
Cooper, W, dona da Ford Models escreveu em 1978 um livro intitulado “A Nova Você”, enquanto Lipovetsky, G, em 1944, lançou O Império do Efêmero, ambos falam da moda como um canto de sereia onde quem o ouve pode vir a se perder. O mito da sereia presta-se tanto a pensar a moda na situação passiva como ativa. A modelo pode se identificar com esse aspecto sedutor e ao mesmo tempo sucumbente de sereia. Esta configuração, algumas vezes, leva à rupturas, mais ou menos intensas que podem dar campo para uma personalidade fóbica ou a um quadro de falso self adaptativo. Dependendo da angústia, a modelo pode vir a romper com a experiência interna para evitar a dor mental. Para Green há ocasiões em que o trauma é tanto que a dor torna a recordação inacessível à consciência. A negação é completa e o fato doloroso é esquecido, como se nunca tivesse ocorrido.
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2- Motivação e Método
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Recebi em meu consultório uma modelo em fim da carreira, que havia se submetido a cirurgias plásticas, dietas e regimes, chegando a situações extremas, como por exemplo, dormir com uma corda amarrada no abdômen a fim de não conseguir comer muito, apesar do sofrimento e das dores causadas. Quando alcançou o fim da carreira, viu-se obrigada a ser dependente, depois de ter ganhado “rios” de dinheiro, porém gastado tudo. Não mais encontrava sentido na vida: havia se casado, se separado e ao final, muito infeliz, acabou retornando à casa dos pais. Passou a ter receio de sair com homens, pois já se via de antemão sofrendo decepções e dores. Parecia uma sereia, que fazia naufragar a quem, enfeitiçado por sua beleza, ousasse se aproximar. Sua incapacidade de manter vínculos vinha de um medo de separar casais, de desconfiar que os homens só gostavam de sua beleza para exibir como um troféu, dando pouco valor à sua pessoa. A questão do dinheiro fácil, do glamour, estava relacionada à vivência da onipotência. Eu a acompanhei em sua busca por auto-estima e valorização pessoal. Mais tarde conseguiu manter um vínculo, casar-se e trabalhar. A partir da elaboração desse momento, o futuro pôde ser muito promissor graças a uma rica experiência pessoal e um melhor aproveitamento das oportunidades.
Partindo da idéia de que outras modelos pudessem ter este perfil sirenístico, lancei-me à pesquisa em duas grandes agências de modelos. Foi nestes lugares que conheci adolescentes no começo de um grande sonho, com diversos projetos e muita vontade de vencer.
Há um forte apelo da mídia no sentido de valorizar a carreira de modelo, inserindo matérias em todas as revistas femininas e masculinas. Ouve-se muito sobre meninas impelidas pelo desejo de ser modelo como se fosse uma marca de prestígio ou profissão da moda. Esta minha experiência levantou indagações a respeito da personalidade da modelo, sua influência na carreira e em certas questões como: ser modelo pode tornar-se útil à sua vida futura? O que representa ser uma ex-modelo? Um trabalho de prevenção pode ajudar e oferecer caminhos quando a carreira alcançar o fim?
Na agência A, observei que as modelos geralmente entram para a profissão vencendo concursos, onde são consideradas um padrão de beleza a ser imitado por jovens de sua idade. A maioria delas, até então, era magra e alta demais, e se consideravam feias. Outras queriam ser modelos desde cedo e a entrada para a carreira representava o sonho realizado.
Como procedimentos, foram realizadas entrevistas livres e o Procedimento de D-E (Desenho – Estória) - (Trinca,1997). O D-E consiste em realizar uma entrevista com a pessoa e pedir-lhe cinco desenhos junto com histórias que os expliquem. De um lado, o desenho livre funciona como uma forma gráfica de expressão, e de outro, facilita a verbalização de associações relacionadas com os desenhos. O Desenho-Estória possibilitou a representação de componentes básicos do psiquismo e permitiu que se estabelecesse uma esfera de facilitação da expressão. A interpretação dos desenhos se deu de forma semelhante ao processo de interpretação de sonhos.                                                                                                                                     
O D-E pode ser visto como um rico detonador de um contato com o mundo interno, nas camadas mais profundas da personalidade, que podem vir a ser conhecidas e reconhecidas pela pessoa que desenha. Como instrumento, pode contribuir muito no sentido do conhecimento funcional da personalidade e também ser útil na situação de um contato com aspectos internos autênticos e verdadeiros.
Os desenhos nascem de experiências profissionais às vezes dilacerantes. As fotos das modelos são publicadas em centenas de revistas e jornais, enquanto os desenhos são feitos na intimidade e no silêncio de meu consultório.
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3- Obstáculos
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Os obstáculos foram muitos.
O primeiro foi logo no início, o fato de eu ter de trabalhar na própria agência, pois as modelos estavam em seu lugar de trabalho, e não poderiam marcar hora comigo. A qualquer telefonema de uma produtora deveriam sair a campo para os concorridos testes de casting.
Depois, o segundo passo foi conquistar a confiança dos modelos.
Havia, ainda, que conquistar a confiança da gerente, o que mais tarde, permitiu entrevistá-las em meu consultório.
A oportunidade que elas tinham de conversar com uma psicóloga interessada em seu mundo interno, e não só na exterioridade, lhes pareceu muito importante, tanto que uma indicava a outra para a pesquisa. Não foram observadas recusas no comparecimento ou no retorno para novas entrevistas, embora pudesse haver fortes motivos, em geral dificuldades com horários, além de viagens freqüentes e súbitas. Estas jovens vivem uma situação onde os testes e as contratações são sempre feitas de forma imediata e elas devem apresentar uma disponibilidade infinita para o trabalho.
De repente, me vi envolvida no que parecia ser uma violação de seus direitos básicos, numa intenção contra-transferencial de colocá-las no colo, adotá-las. O superficial era enfatizado, junto com a aparência, a estética corporal e as fotos. Porém, a mente, o profundo e a alma onde ficariam?  Elas eram como flores num vaso, algumas não haviam se enraizado ainda.
A Ética foi outra temática freqüente. Muitas questões sobre suas imagens que por vezes são expostas como mercadorias, objetos a serem vendidos, vieram-me à mente no decorrer da pesquisa. Como quando ouvi o agente de uma agência dizer: “Pode entrevistá-las. As modelos estão aí, como gado, pode escolher à vontade e conversar com elas.”
Tive a oportunidade de entrevistar um dos principais agentes, responsável pela vinda das modelos do interior às capitais. Ele disse não trabalhar com agências que não concedessem ao menos uma entrevista individual. Afinal, elas têm um rosto, um nome, uma história. O problema de ver pessoas sem rosto, feito corpos a serem escolhidos pelas medidas, parece-me um fenômeno descrito por Levinás: “Como considerar a Existência e não um Existente”. Outra agência que visitei tinha um cartaz. “Aqui vivem as Deusas”.   Do gado às Deusas, como fica a subjetividade? Como fica o Ser nessa condição?
Os deslocamentos físicos constantes aliados ao fato de serem muito jovens e imaturas para estarem sozinhas podem levá-las a uma sensação de perda de raízes, especialmente quando são obrigadas a viver no exterior ou mesmo em cidades distintas das que foram criadas. Nota-se que esta vivência pode representar um contraponto propiciando núcleos de psicopatias, quando já há predisposição, como o uso drogas, promiscuidade sexual, abusos de todo tipo. E ainda há um agravante: a Top model, por adquirir uma posição de destaque, não foge muito dessa dinâmica, quando teme perdê-la.
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5- O concurso
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Como repercute no mundo “interno” o ritual de passagem do concurso?
Num desfile do Morumbi Fashion, um dos sócios da Agência A disse: “O importante é ter personalidade”. Depois ouvi essa frase de inúmeros profissionais do ramo. O que seria esse “ter personalidade” tão valorizado e tão pouco investigado?
Ao entrevistar Inês, evidentemente muito feliz por ser uma das vencedoras do concurso que a levaria à Europa, percebi que ela se colocava como quem necessita de defesas porque apesar de ter conseguido “passar” para a condição de modelo, não havia obtido uma colocação tão boa assim. Inês desenhou o sol com óculos escuros.  Ela era o próprio sol, mas o brilho de outros astros - o brilho das outras - a ofuscara e a situação de estar sob as luzes a cegava, ela precisava dos óculos, embora fosse a mais importante do planeta das modelos. É certo que Inês podia brilhar, mas era o brilho dos outros que aventava a necessidade das defesas. Luz e beleza geralmente se confundem, há um intercâmbio. Inês saiu do anonimato e de repente, foi exposta às fortes luzes da fama, em um intervalo de dias. A reação de colocar-se como um sol usando óculos, mostra a sua percepção da realidade. Apesar dela ser importante, existem outras estrelas maiores e mais brilhantes. Com isso foge ao risco da onipotência, de ser uma Deusa.
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6- A Agência B
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O primeiro contato já foi proveitoso, cheguei à agência B por indicação da agência A, desencadeando a evolução do processo, permitindo a dedicação de uma tarde por semana às modelos. Nesta segunda agência as regras pareciam ser mais claras. O gerente, uma pessoa preocupada com as questões éticas e morais dos modelos, assume o papel de um “pai”, inclusive tendo sugerido um trabalho cujo título poderia ser “A angústia que apaga o brilho”. A agência B não promove concursos, seus modelos são descobertos por olheiros ou através de pessoas que realizam cursos de modelo no interior do Brasil e as trazem para São Paulo numa excursão bem organizada, onde são escolhidas. Elas precisam arcar com os custos da viagem e do curso de modelo. Talvez essa forma de seleção que inclui cursos, informações e um certo preparo prévio, ao contrário da “grande festa do mundo fashion” que é o concurso, signifique uma entrada mais suave para a carreira e com outras características. No entanto a “Síndrome da New Face” é idêntica. As agências que realizam concursos, entretanto, tem o poder de atração maior para as jovens porque os prêmios e as viagens são imediatos para quem vence o concurso.
Algumas modelos demonstram estar mais adaptadas ao seu meio, cultivando um outro lado que não focalize apenas o corpo. Uma modelo disse-me certa vez: “gosto de fotografia, teatro e  novela. Adoro estudar os personagens e gostaria de ser atriz; apesar do clima da gravação das novelas ser barra pesada”, já outra se prepara de forma diferente: “Estudo diversas maneiras de me maquiar, estou sempre experimentando produtos novos”. O drama desta segunda moça se deu quando um dia chegou em casa e encontrou todos seus produtos, cremes, maquiagens e pincéis espalhados fora do lugar. Ficou possessa porque outra pessoa chegara para dividir o quarto com ela, sem que a tivessem avisado. E o pior é que a intrusa havia usado, sem cerimônia, as suas estimadas coisas.
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7- O caso
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A vida profissional súbita, árdua, curta, efêmera e o medo de envelhecer, como se chegar aos trinta anos significasse o mesmo que alcançar a terceira idade, levaram-me a uma busca ávida por informações. O envelhecimento, a primeira ruga, para uma modelo, que apóia toda a sua existência na beleza, tem um gosto amargo. A partir desta constatação, torna-se fundamental conhecer essas jovens através das experiências por elas vividas, a fim de detectar perturbações graves e ajudá-las, ou seja, tomar providências a tempo. Por meio do uso do D-E podem ser observados sinais patológicos, indícios de sofrimento e também conhecer as defesas mais utilizadas.
As mulheres, mais que os homens, transformam-se através da vestimenta e produção. Podem ficar irreconhecíveis até a si mesmas. No entanto o corpo e a mente em contínua comunicação por meio dos movimentos entre o Uno e o Binário (convívio com os outros, horizontalidade), apresenta-se como um objeto e um sujeito, conforme a ênfase que se dá, porque temos um corpo, mas “somos o nosso corpo” e a mente registra essas sensações. Ferrari chama esse “corpo com registros e sensações” de Objeto Originário Concreto. A mente é sempre obrigada a considerar o corpo (Uno) como uma presença que se manifesta continuamente, nunca é um passado. Na adolescência as transformações do corpo parecem definitivas. Os jovens são regidos por uma máxima, um impulso: “Agora ou nunca mais”.  “As ocasiões e o momento de viver a experiência aparecem como última deixa”, diz Ferrari, referindo-se aos adolescentes. Os jovens sentem que devem aproveitar a oportunidade ou ela estará perdida para sempre.
Chamarei de Karen uma modelo que me disse certa vez: “Quando me vejo na revista, sinto que estou vendendo uma ilusão, uma imagem. Apresento-me magra e bonita porque sou jovem. A reportagem da revista diz que sou magra porque não bebo, não fumo, não tenho vícios, mas é tudo mentira, nunca fiz ginástica e não faço nada do que escreveram lá. É como a “Tiazinha”, ela tem um excelente assessor de marketing  e por isso, a imagem dela vende. Eu também tenho uma assessoria que me auxilia e sei que tudo não passa de imagens.”  Karen não se sente muito à vontade com a “mentira”, as revistas onde a sua imagem é veiculada. Alguém pode sentir-se à vontade numa ficção sobre sua pessoa que é revelada como verdade?
Os desenhos de Karen:
1 – O peixinho – Do fundo do mar. Ela criou a estória de um peixe que estava procurando seu alimento, mas tinha um monte de peixinhos que o seguiam para se alimentar do resto das coisas que ele achava para comer. Aí, um dia, ele foi pescado, o coitadinho (desenha o anzol). Ele morreu, acabou.
2 – A viagem – É a estória de um avião que voa para a lua com o objetivo de montar uma base ali e transformar numa colônia de férias. Só. Porque na lua? Porque vai chegar o dia em que não haverá mais espaço na terra. O turismo terá de se expandir para fora do planeta, as pessoas vão chegar cada vez mais longe. Eu queria viajar para o espaço. (coloca estradas)
3 – A ilha - A estória da família que viajou para uma ilha e gostou tanto que resolveu morar lá e não voltar mais. Tinha tranqüilidade, alimento de graça e um rio para tomar banho. Mas aí, perceberam que não podiam ficar lá, pois não teriam como procriar, porque a ilha era deserta. Tiveram que voltar (o pai, a mãe, quatro irmãos e um cachorro). Em seu retorno a cidade, eles convidaram mais gente para morar na ilha e depois, voltaram para lá. (desenha mais gente).
4 – A pedra – O homem estava descendo e não viu que havia uma pedra em seu caminho, foi quando ele tropeçou e caiu. Uma câmera estava gravando, enquanto todo mundo assistia e ria. Eles estavam filmando. O filme era esse mesmo. O homem vinha andando, quando de repente tropeça em uma pedra. Este é o filme que a gente está fazendo para a faculdade, chama-se “A Pedra”. Essa é uma das tentativas. O título tem que ser “A Pedra” porque houve uma série de tentativas e isso foi o que conseguimos de melhor até agora.
5 – O figo  Pode desenhar qualquer coisa? Mesmo que não faça sentido? Agora... Era uma figueira. O menino tentava pegar um figo que estava bem maduro, tentava alcançá-lo com um chinelo. Era o último dia de férias dele e também o seu último de brincadeiras na fazenda. Era o fim da estação do figo, não ia mais dar fruta naquele ano.
Karen, prevendo o fim da carreira, pode estar como o figo que desenhou, madura e ciente que vai ser tirada do pé, chutada, ou pescada como um peixe. A ameaça de sua carreira de modelo acabar é iminente. Preparou-se para isso? É provável que sim. Está cursando a faculdade e seu trabalho é sobre equilíbrio.  A instabilidade da carreira de modelo pode causar depressão, no entanto, quando fica deprimida, veste-se e torna-se poderosa, aí assume e vive aquele papel principal: “todas as mulheres gostariam de estar na minha pele.”O mundo está a seus pés”. Será que isso é brincar de Deusa? 
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9 – Conclusões
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A construção da subjetividade das modelos é determinada por fundações culturais da mídia que estimulam a profissão, construída com tijolos de beleza, frustração, disciplina e submissão e com um acabamento feito de liberdade, fortuna e grandes oportunidades para as modelos que conseguem sobreviver ao meio estressante e competitivo. Notei que as novatas atravessavam a “Síndrome da New Face”, enquanto inerente a esse processo, eu podia identificar a Novela Familiar do Neurótico, escrita por Freud, que para mim, tornou-se um artigo precioso.
As meninas chegam às capitais com a expectativa de serem adotadas por outra família, de melhor nível social ou da aristocracia. Na intersubjetividade a vivência variou, como esperado, de acordo com cada pessoa e a cada encontro, mas tive casos de fantasias de adoção com muitas. Isso pode ser caracterizado como a “Síndrome da New Face” porque a menina deseja amparo, família, proteção e sente muita falta de família, no entanto, uma outra família pode estar sendo colocada na questão do Romance Familiar.
As agências tornam-se agências mãe, favorecendo essas fantasias de pertencer a outra família. Muitos agentes e profissionais costumam hospedá-las em suas casas e se não o fazem, procuram proporcionar-lhes uma vida “familiar”. Aos fins de semana, as jovens freqüentam sítios e almoços nas casas de seus agentes. Elas querem um lugar de referência, uma escola, uma professora, alguém a quem possam se filiar. O papel da agência, como instituição necessária ao aspecto interno, deve estar vinculado a uma comunidade e pode ser decisiva se a inserção nesta instituição/agência acontecer de forma satisfatória. Não basta ter uma casa, é necessário ter uma comunidade.
A comunidade das modelos influi na formação dessa subjetividade. A pergunta que me fazia diversas vezes enquanto as entrevistava, era por que elas chamam esse mundo de “mundinho” se lhes oferece tantas oportunidades? Para não concretizar o romance familiar? Na nossa cultura do Simulacro do mínimo eu, há a dificuldade de trabalhar o simbólico. Nessa altura, onde tudo “parece ser”, é difícil lidar com símbolos. Tudo é  apresentado como imagem. Os books são elas. As modelos devem se adaptar a uma imagem que é apenas uma foto produzida. A foto pode ser sensual, enquanto elas podem não ser. Como corresponder à imagem e não perder os testes castings?
O que é ser uma marca? A marca garante o status de quem a usa. O poder de “ser um produto” faz vender marcas. A modelo vira a marca de um produto. Todos a querem por perto e por isso elas ganham jantares em restaurantes caros, boates e bares que os simples mortais fazem questão de pagar-lhes. A beleza abre algumas portas e fecha outras.
Pode parecer paradoxal, mas muitas modelos realmente têm, depois de alguns anos de carreira, uma “angústia que apaga o brilho”. A futilidade, o mundo de Caras e as revistas mais vendidas nas bancas colaboram no sentido de banalizá-las. O fato de estar no Castelo de Caras na França parece fazer parte desse ritual para entrar no mundinho, ironicamente, o mundo de Caras. Lá o romance familiar pode ser ensaiado por todos que não têm o poder aquisitivo de comprar uma casa bonita, mas adquirem o prazer de estar lá, deleitando-se com as fotos e os textos.
Entrevistei uma “new face” recém chegada do interior que dois anos depois reconheci em fotos do Castelo de Caras, casando-se com um milionário europeu. Mais tarde descobri outra entrevistada minha que foi considerada a mais sexy na mídia. Conhecendo estes casos, entendo como são fabricados os mitos. Dentro do imaginário daqueles que participam dos “reality shows” está intrínseca toda a questão da fama, de possuir a marca do sucesso e pertencer à família Globo por um dia.
Nossa clínica é permeada por questões desse tipo há muito tempo. O desejo de pertencer à “Casa dos Artistas” envolve a construção da subjetividade dos indivíduos na era pós-moderna, nem que seja para se posicionar contra. As agências de modelos contam com o forte apoio da imprensa. A mídia participa na construção da subjetividade das jovens que podem se tornar uma marca. As belas modelos vendem qualquer objeto ou serviço e assim, representam um produto, uma marca a ser comercializada.
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Bibliografia:
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Lipovetsky, Gilles
O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas
São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
Winnicot, D.W.
O Brincar e a Realidade
Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975
Lévinas, Emmanuel
De l´existente à l´existent
Paris, Editora Vrin, 1977
Ferrari, Armando. B
Vida e Tempo, reflexões psicanalíticas
São Paulo, Casa do Psicólogo, 2004
Ferrari. A.  B. e Stella.
A Aurora do Pensamento
São Paulo, Editora 34, 2000
Freud. Sigmund
Romances Familiares (1909)
Rio de Janeiro. Imago Editora, 1969
Green, André
Le travai du Nefatif
Paris, Lês Editions de Minuit, 1993
Trinca Walter
Fobia e Pânico em Psicanálise
São Paulo, Editora Vozes, 1997



[1] Trabalho apresentado em Reunião Científica da SBPSP

Descrição

Trata-se da apresentação de uma pesquisa sobre o universo psicológico das modelos profissionais que entram nas agências e passam a habitar um universo novo, que traz rupturas e frustrações ao lado de muito glamour e oportunidades de crescimento, dependendo da maturidade para enfrentar o desconhecido.