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quarta-feira, dezembro 29, 2010

 "O OUTRO LADO DA FAMA 
- Modelos Profissionais: um vértice psicanalítico"[1]

 


Miriam Sarué Tawil


1- Introdução


Nestes tempos pós-modernos, o vértice psicanalítico sobre as modelos profissionais tem um ângulo muito específico que parte de um referencial característico focado na construção da subjetividade.
Estamos na era da publicidade. Meios eletrônicos substituem a literatura. “Jingles publicitários são como poesia”, já foi dito. Ser modelo, contemporaneamente é algo muito valorizado. O corpo como imagem da marca é uma questão bem ampla, ainda mais, no Mundo Fashion. O corpo da modelo deve ter medidas conforme as determinações das agências; exige-se que sejam até dez quilos mais magra, mesmo quando estão dentro do peso ideal. O critério padrão da saúde difere do estético. A modelo pode ser contratada e, se engordar um centímetro nos quadris, perde o trabalho. Algumas, mais privilegiadas, têm natureza magra, não precisam se esforçar, enquanto outras, são escravas da balança.
A moça, que com toda a sua beleza, estampa a foto da revista, muitas vezes traz um sofrimento intenso que só é revelado nos bastidores. Enquanto esse dito Mundo Fashion ressoa na subjetividade das modelos, como algo que por um lado as valoriza e por outro, rouba-lhes o passado, sérios transtornos de identidade manifestam-se. O glamour e a oportunidade de ter uma ascensão social são chances únicas de contato com as diversas áreas da cultura. As modelos, muitas vezes se referem ao Mundo Fashion como “mundinho” frívolo e superficial, especialmente quando comparado ao mundo “natureza” de onde vieram, e pode ser encarado também, como uma ameaça para a humanidade de quem se insere demasiadamente nele. Nos bastidores, a ruptura das raízes, é vivida, às vezes, de forma muito dolorosa. Os dois mundos, o antes e o depois do início da carreira, são integrados ou mantidos separados, fazendo com que a memória, a afetividade e as relações com os outros se tornem superficiais, um processo inconsciente para evitar o contato com as perdas.
Cooper, W, dona da Ford Models escreveu em 1978 um livro intitulado “A Nova Você”, enquanto Lipovetsky, G, em 1944, lançou O Império do Efêmero, ambos falam da moda como um canto de sereia onde quem o ouve pode vir a se perder. O mito da sereia presta-se tanto a pensar a moda na situação passiva como ativa. A modelo pode se identificar com esse aspecto sedutor e ao mesmo tempo sucumbente de sereia. Esta configuração, algumas vezes, leva à rupturas, mais ou menos intensas que podem dar campo para uma personalidade fóbica ou a um quadro de falso self adaptativo. Dependendo da angústia, a modelo pode vir a romper com a experiência interna para evitar a dor mental. Para Green há ocasiões em que o trauma é tanto que a dor torna a recordação inacessível à consciência. A negação é completa e o fato doloroso é esquecido, como se nunca tivesse ocorrido.
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2- Motivação e Método
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Recebi em meu consultório uma modelo em fim da carreira, que havia se submetido a cirurgias plásticas, dietas e regimes, chegando a situações extremas, como por exemplo, dormir com uma corda amarrada no abdômen a fim de não conseguir comer muito, apesar do sofrimento e das dores causadas. Quando alcançou o fim da carreira, viu-se obrigada a ser dependente, depois de ter ganhado “rios” de dinheiro, porém gastado tudo. Não mais encontrava sentido na vida: havia se casado, se separado e ao final, muito infeliz, acabou retornando à casa dos pais. Passou a ter receio de sair com homens, pois já se via de antemão sofrendo decepções e dores. Parecia uma sereia, que fazia naufragar a quem, enfeitiçado por sua beleza, ousasse se aproximar. Sua incapacidade de manter vínculos vinha de um medo de separar casais, de desconfiar que os homens só gostavam de sua beleza para exibir como um troféu, dando pouco valor à sua pessoa. A questão do dinheiro fácil, do glamour, estava relacionada à vivência da onipotência. Eu a acompanhei em sua busca por auto-estima e valorização pessoal. Mais tarde conseguiu manter um vínculo, casar-se e trabalhar. A partir da elaboração desse momento, o futuro pôde ser muito promissor graças a uma rica experiência pessoal e um melhor aproveitamento das oportunidades.
Partindo da idéia de que outras modelos pudessem ter este perfil sirenístico, lancei-me à pesquisa em duas grandes agências de modelos. Foi nestes lugares que conheci adolescentes no começo de um grande sonho, com diversos projetos e muita vontade de vencer.
Há um forte apelo da mídia no sentido de valorizar a carreira de modelo, inserindo matérias em todas as revistas femininas e masculinas. Ouve-se muito sobre meninas impelidas pelo desejo de ser modelo como se fosse uma marca de prestígio ou profissão da moda. Esta minha experiência levantou indagações a respeito da personalidade da modelo, sua influência na carreira e em certas questões como: ser modelo pode tornar-se útil à sua vida futura? O que representa ser uma ex-modelo? Um trabalho de prevenção pode ajudar e oferecer caminhos quando a carreira alcançar o fim?
Na agência A, observei que as modelos geralmente entram para a profissão vencendo concursos, onde são consideradas um padrão de beleza a ser imitado por jovens de sua idade. A maioria delas, até então, era magra e alta demais, e se consideravam feias. Outras queriam ser modelos desde cedo e a entrada para a carreira representava o sonho realizado.
Como procedimentos, foram realizadas entrevistas livres e o Procedimento de D-E (Desenho – Estória) - (Trinca,1997). O D-E consiste em realizar uma entrevista com a pessoa e pedir-lhe cinco desenhos junto com histórias que os expliquem. De um lado, o desenho livre funciona como uma forma gráfica de expressão, e de outro, facilita a verbalização de associações relacionadas com os desenhos. O Desenho-Estória possibilitou a representação de componentes básicos do psiquismo e permitiu que se estabelecesse uma esfera de facilitação da expressão. A interpretação dos desenhos se deu de forma semelhante ao processo de interpretação de sonhos.                                                                                                                                     
O D-E pode ser visto como um rico detonador de um contato com o mundo interno, nas camadas mais profundas da personalidade, que podem vir a ser conhecidas e reconhecidas pela pessoa que desenha. Como instrumento, pode contribuir muito no sentido do conhecimento funcional da personalidade e também ser útil na situação de um contato com aspectos internos autênticos e verdadeiros.
Os desenhos nascem de experiências profissionais às vezes dilacerantes. As fotos das modelos são publicadas em centenas de revistas e jornais, enquanto os desenhos são feitos na intimidade e no silêncio de meu consultório.
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3- Obstáculos
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Os obstáculos foram muitos.
O primeiro foi logo no início, o fato de eu ter de trabalhar na própria agência, pois as modelos estavam em seu lugar de trabalho, e não poderiam marcar hora comigo. A qualquer telefonema de uma produtora deveriam sair a campo para os concorridos testes de casting.
Depois, o segundo passo foi conquistar a confiança dos modelos.
Havia, ainda, que conquistar a confiança da gerente, o que mais tarde, permitiu entrevistá-las em meu consultório.
A oportunidade que elas tinham de conversar com uma psicóloga interessada em seu mundo interno, e não só na exterioridade, lhes pareceu muito importante, tanto que uma indicava a outra para a pesquisa. Não foram observadas recusas no comparecimento ou no retorno para novas entrevistas, embora pudesse haver fortes motivos, em geral dificuldades com horários, além de viagens freqüentes e súbitas. Estas jovens vivem uma situação onde os testes e as contratações são sempre feitas de forma imediata e elas devem apresentar uma disponibilidade infinita para o trabalho.
De repente, me vi envolvida no que parecia ser uma violação de seus direitos básicos, numa intenção contra-transferencial de colocá-las no colo, adotá-las. O superficial era enfatizado, junto com a aparência, a estética corporal e as fotos. Porém, a mente, o profundo e a alma onde ficariam?  Elas eram como flores num vaso, algumas não haviam se enraizado ainda.
A Ética foi outra temática freqüente. Muitas questões sobre suas imagens que por vezes são expostas como mercadorias, objetos a serem vendidos, vieram-me à mente no decorrer da pesquisa. Como quando ouvi o agente de uma agência dizer: “Pode entrevistá-las. As modelos estão aí, como gado, pode escolher à vontade e conversar com elas.”
Tive a oportunidade de entrevistar um dos principais agentes, responsável pela vinda das modelos do interior às capitais. Ele disse não trabalhar com agências que não concedessem ao menos uma entrevista individual. Afinal, elas têm um rosto, um nome, uma história. O problema de ver pessoas sem rosto, feito corpos a serem escolhidos pelas medidas, parece-me um fenômeno descrito por Levinás: “Como considerar a Existência e não um Existente”. Outra agência que visitei tinha um cartaz. “Aqui vivem as Deusas”.   Do gado às Deusas, como fica a subjetividade? Como fica o Ser nessa condição?
Os deslocamentos físicos constantes aliados ao fato de serem muito jovens e imaturas para estarem sozinhas podem levá-las a uma sensação de perda de raízes, especialmente quando são obrigadas a viver no exterior ou mesmo em cidades distintas das que foram criadas. Nota-se que esta vivência pode representar um contraponto propiciando núcleos de psicopatias, quando já há predisposição, como o uso drogas, promiscuidade sexual, abusos de todo tipo. E ainda há um agravante: a Top model, por adquirir uma posição de destaque, não foge muito dessa dinâmica, quando teme perdê-la.
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5- O concurso
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Como repercute no mundo “interno” o ritual de passagem do concurso?
Num desfile do Morumbi Fashion, um dos sócios da Agência A disse: “O importante é ter personalidade”. Depois ouvi essa frase de inúmeros profissionais do ramo. O que seria esse “ter personalidade” tão valorizado e tão pouco investigado?
Ao entrevistar Inês, evidentemente muito feliz por ser uma das vencedoras do concurso que a levaria à Europa, percebi que ela se colocava como quem necessita de defesas porque apesar de ter conseguido “passar” para a condição de modelo, não havia obtido uma colocação tão boa assim. Inês desenhou o sol com óculos escuros.  Ela era o próprio sol, mas o brilho de outros astros - o brilho das outras - a ofuscara e a situação de estar sob as luzes a cegava, ela precisava dos óculos, embora fosse a mais importante do planeta das modelos. É certo que Inês podia brilhar, mas era o brilho dos outros que aventava a necessidade das defesas. Luz e beleza geralmente se confundem, há um intercâmbio. Inês saiu do anonimato e de repente, foi exposta às fortes luzes da fama, em um intervalo de dias. A reação de colocar-se como um sol usando óculos, mostra a sua percepção da realidade. Apesar dela ser importante, existem outras estrelas maiores e mais brilhantes. Com isso foge ao risco da onipotência, de ser uma Deusa.
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6- A Agência B
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O primeiro contato já foi proveitoso, cheguei à agência B por indicação da agência A, desencadeando a evolução do processo, permitindo a dedicação de uma tarde por semana às modelos. Nesta segunda agência as regras pareciam ser mais claras. O gerente, uma pessoa preocupada com as questões éticas e morais dos modelos, assume o papel de um “pai”, inclusive tendo sugerido um trabalho cujo título poderia ser “A angústia que apaga o brilho”. A agência B não promove concursos, seus modelos são descobertos por olheiros ou através de pessoas que realizam cursos de modelo no interior do Brasil e as trazem para São Paulo numa excursão bem organizada, onde são escolhidas. Elas precisam arcar com os custos da viagem e do curso de modelo. Talvez essa forma de seleção que inclui cursos, informações e um certo preparo prévio, ao contrário da “grande festa do mundo fashion” que é o concurso, signifique uma entrada mais suave para a carreira e com outras características. No entanto a “Síndrome da New Face” é idêntica. As agências que realizam concursos, entretanto, tem o poder de atração maior para as jovens porque os prêmios e as viagens são imediatos para quem vence o concurso.
Algumas modelos demonstram estar mais adaptadas ao seu meio, cultivando um outro lado que não focalize apenas o corpo. Uma modelo disse-me certa vez: “gosto de fotografia, teatro e  novela. Adoro estudar os personagens e gostaria de ser atriz; apesar do clima da gravação das novelas ser barra pesada”, já outra se prepara de forma diferente: “Estudo diversas maneiras de me maquiar, estou sempre experimentando produtos novos”. O drama desta segunda moça se deu quando um dia chegou em casa e encontrou todos seus produtos, cremes, maquiagens e pincéis espalhados fora do lugar. Ficou possessa porque outra pessoa chegara para dividir o quarto com ela, sem que a tivessem avisado. E o pior é que a intrusa havia usado, sem cerimônia, as suas estimadas coisas.
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7- O caso
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A vida profissional súbita, árdua, curta, efêmera e o medo de envelhecer, como se chegar aos trinta anos significasse o mesmo que alcançar a terceira idade, levaram-me a uma busca ávida por informações. O envelhecimento, a primeira ruga, para uma modelo, que apóia toda a sua existência na beleza, tem um gosto amargo. A partir desta constatação, torna-se fundamental conhecer essas jovens através das experiências por elas vividas, a fim de detectar perturbações graves e ajudá-las, ou seja, tomar providências a tempo. Por meio do uso do D-E podem ser observados sinais patológicos, indícios de sofrimento e também conhecer as defesas mais utilizadas.
As mulheres, mais que os homens, transformam-se através da vestimenta e produção. Podem ficar irreconhecíveis até a si mesmas. No entanto o corpo e a mente em contínua comunicação por meio dos movimentos entre o Uno e o Binário (convívio com os outros, horizontalidade), apresenta-se como um objeto e um sujeito, conforme a ênfase que se dá, porque temos um corpo, mas “somos o nosso corpo” e a mente registra essas sensações. Ferrari chama esse “corpo com registros e sensações” de Objeto Originário Concreto. A mente é sempre obrigada a considerar o corpo (Uno) como uma presença que se manifesta continuamente, nunca é um passado. Na adolescência as transformações do corpo parecem definitivas. Os jovens são regidos por uma máxima, um impulso: “Agora ou nunca mais”.  “As ocasiões e o momento de viver a experiência aparecem como última deixa”, diz Ferrari, referindo-se aos adolescentes. Os jovens sentem que devem aproveitar a oportunidade ou ela estará perdida para sempre.
Chamarei de Karen uma modelo que me disse certa vez: “Quando me vejo na revista, sinto que estou vendendo uma ilusão, uma imagem. Apresento-me magra e bonita porque sou jovem. A reportagem da revista diz que sou magra porque não bebo, não fumo, não tenho vícios, mas é tudo mentira, nunca fiz ginástica e não faço nada do que escreveram lá. É como a “Tiazinha”, ela tem um excelente assessor de marketing  e por isso, a imagem dela vende. Eu também tenho uma assessoria que me auxilia e sei que tudo não passa de imagens.”  Karen não se sente muito à vontade com a “mentira”, as revistas onde a sua imagem é veiculada. Alguém pode sentir-se à vontade numa ficção sobre sua pessoa que é revelada como verdade?
Os desenhos de Karen:
1 – O peixinho – Do fundo do mar. Ela criou a estória de um peixe que estava procurando seu alimento, mas tinha um monte de peixinhos que o seguiam para se alimentar do resto das coisas que ele achava para comer. Aí, um dia, ele foi pescado, o coitadinho (desenha o anzol). Ele morreu, acabou.
2 – A viagem – É a estória de um avião que voa para a lua com o objetivo de montar uma base ali e transformar numa colônia de férias. Só. Porque na lua? Porque vai chegar o dia em que não haverá mais espaço na terra. O turismo terá de se expandir para fora do planeta, as pessoas vão chegar cada vez mais longe. Eu queria viajar para o espaço. (coloca estradas)
3 – A ilha - A estória da família que viajou para uma ilha e gostou tanto que resolveu morar lá e não voltar mais. Tinha tranqüilidade, alimento de graça e um rio para tomar banho. Mas aí, perceberam que não podiam ficar lá, pois não teriam como procriar, porque a ilha era deserta. Tiveram que voltar (o pai, a mãe, quatro irmãos e um cachorro). Em seu retorno a cidade, eles convidaram mais gente para morar na ilha e depois, voltaram para lá. (desenha mais gente).
4 – A pedra – O homem estava descendo e não viu que havia uma pedra em seu caminho, foi quando ele tropeçou e caiu. Uma câmera estava gravando, enquanto todo mundo assistia e ria. Eles estavam filmando. O filme era esse mesmo. O homem vinha andando, quando de repente tropeça em uma pedra. Este é o filme que a gente está fazendo para a faculdade, chama-se “A Pedra”. Essa é uma das tentativas. O título tem que ser “A Pedra” porque houve uma série de tentativas e isso foi o que conseguimos de melhor até agora.
5 – O figo  Pode desenhar qualquer coisa? Mesmo que não faça sentido? Agora... Era uma figueira. O menino tentava pegar um figo que estava bem maduro, tentava alcançá-lo com um chinelo. Era o último dia de férias dele e também o seu último de brincadeiras na fazenda. Era o fim da estação do figo, não ia mais dar fruta naquele ano.
Karen, prevendo o fim da carreira, pode estar como o figo que desenhou, madura e ciente que vai ser tirada do pé, chutada, ou pescada como um peixe. A ameaça de sua carreira de modelo acabar é iminente. Preparou-se para isso? É provável que sim. Está cursando a faculdade e seu trabalho é sobre equilíbrio.  A instabilidade da carreira de modelo pode causar depressão, no entanto, quando fica deprimida, veste-se e torna-se poderosa, aí assume e vive aquele papel principal: “todas as mulheres gostariam de estar na minha pele.”O mundo está a seus pés”. Será que isso é brincar de Deusa? 
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9 – Conclusões
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A construção da subjetividade das modelos é determinada por fundações culturais da mídia que estimulam a profissão, construída com tijolos de beleza, frustração, disciplina e submissão e com um acabamento feito de liberdade, fortuna e grandes oportunidades para as modelos que conseguem sobreviver ao meio estressante e competitivo. Notei que as novatas atravessavam a “Síndrome da New Face”, enquanto inerente a esse processo, eu podia identificar a Novela Familiar do Neurótico, escrita por Freud, que para mim, tornou-se um artigo precioso.
As meninas chegam às capitais com a expectativa de serem adotadas por outra família, de melhor nível social ou da aristocracia. Na intersubjetividade a vivência variou, como esperado, de acordo com cada pessoa e a cada encontro, mas tive casos de fantasias de adoção com muitas. Isso pode ser caracterizado como a “Síndrome da New Face” porque a menina deseja amparo, família, proteção e sente muita falta de família, no entanto, uma outra família pode estar sendo colocada na questão do Romance Familiar.
As agências tornam-se agências mãe, favorecendo essas fantasias de pertencer a outra família. Muitos agentes e profissionais costumam hospedá-las em suas casas e se não o fazem, procuram proporcionar-lhes uma vida “familiar”. Aos fins de semana, as jovens freqüentam sítios e almoços nas casas de seus agentes. Elas querem um lugar de referência, uma escola, uma professora, alguém a quem possam se filiar. O papel da agência, como instituição necessária ao aspecto interno, deve estar vinculado a uma comunidade e pode ser decisiva se a inserção nesta instituição/agência acontecer de forma satisfatória. Não basta ter uma casa, é necessário ter uma comunidade.
A comunidade das modelos influi na formação dessa subjetividade. A pergunta que me fazia diversas vezes enquanto as entrevistava, era por que elas chamam esse mundo de “mundinho” se lhes oferece tantas oportunidades? Para não concretizar o romance familiar? Na nossa cultura do Simulacro do mínimo eu, há a dificuldade de trabalhar o simbólico. Nessa altura, onde tudo “parece ser”, é difícil lidar com símbolos. Tudo é  apresentado como imagem. Os books são elas. As modelos devem se adaptar a uma imagem que é apenas uma foto produzida. A foto pode ser sensual, enquanto elas podem não ser. Como corresponder à imagem e não perder os testes castings?
O que é ser uma marca? A marca garante o status de quem a usa. O poder de “ser um produto” faz vender marcas. A modelo vira a marca de um produto. Todos a querem por perto e por isso elas ganham jantares em restaurantes caros, boates e bares que os simples mortais fazem questão de pagar-lhes. A beleza abre algumas portas e fecha outras.
Pode parecer paradoxal, mas muitas modelos realmente têm, depois de alguns anos de carreira, uma “angústia que apaga o brilho”. A futilidade, o mundo de Caras e as revistas mais vendidas nas bancas colaboram no sentido de banalizá-las. O fato de estar no Castelo de Caras na França parece fazer parte desse ritual para entrar no mundinho, ironicamente, o mundo de Caras. Lá o romance familiar pode ser ensaiado por todos que não têm o poder aquisitivo de comprar uma casa bonita, mas adquirem o prazer de estar lá, deleitando-se com as fotos e os textos.
Entrevistei uma “new face” recém chegada do interior que dois anos depois reconheci em fotos do Castelo de Caras, casando-se com um milionário europeu. Mais tarde descobri outra entrevistada minha que foi considerada a mais sexy na mídia. Conhecendo estes casos, entendo como são fabricados os mitos. Dentro do imaginário daqueles que participam dos “reality shows” está intrínseca toda a questão da fama, de possuir a marca do sucesso e pertencer à família Globo por um dia.
Nossa clínica é permeada por questões desse tipo há muito tempo. O desejo de pertencer à “Casa dos Artistas” envolve a construção da subjetividade dos indivíduos na era pós-moderna, nem que seja para se posicionar contra. As agências de modelos contam com o forte apoio da imprensa. A mídia participa na construção da subjetividade das jovens que podem se tornar uma marca. As belas modelos vendem qualquer objeto ou serviço e assim, representam um produto, uma marca a ser comercializada.
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Bibliografia:
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Lipovetsky, Gilles
O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas
São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
Winnicot, D.W.
O Brincar e a Realidade
Rio de Janeiro, Imago Editora, 1975
Lévinas, Emmanuel
De l´existente à l´existent
Paris, Editora Vrin, 1977
Ferrari, Armando. B
Vida e Tempo, reflexões psicanalíticas
São Paulo, Casa do Psicólogo, 2004
Ferrari. A.  B. e Stella.
A Aurora do Pensamento
São Paulo, Editora 34, 2000
Freud. Sigmund
Romances Familiares (1909)
Rio de Janeiro. Imago Editora, 1969
Green, André
Le travai du Nefatif
Paris, Lês Editions de Minuit, 1993
Trinca Walter
Fobia e Pânico em Psicanálise
São Paulo, Editora Vozes, 1997



[1] Trabalho apresentado em Reunião Científica da SBPSP

Descrição

Trata-se da apresentação de uma pesquisa sobre o universo psicológico das modelos profissionais que entram nas agências e passam a habitar um universo novo, que traz rupturas e frustrações ao lado de muito glamour e oportunidades de crescimento, dependendo da maturidade para enfrentar o desconhecido.

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